Brincar de índio

Ana Lacerda é advogada especialista em Direito Agrário e Ambiental

Ocorreu, na semana passada, na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, o 3º encontro da Câmara Setorial Temática de Regularização Fundiária, presidida pelo advogado Irajá Lacerda. Participei desse encontro junto com representantes da OAB/MT, INCRA, CREA, entre outros.

Cabe esclarecer que o objetivo dessa Câmara é realizar um levantamento territorial do Estado de Mato Grosso, identificando as terras públicas, devolutas e particulares, bem como promover discussões sobre as demandas fundiárias do Estado para desenvolver ações proativas e cooperação técnica entre os entes para uma regularização fundiária eficiente, ágil e eficaz.

Entre os tópicos muito bem delineados pelo técnico em Cartografia Digital, Almir José de Azevedo e pelo perito ambiental e gestor de projetos, Loivo de Brum Castro, figuraram questões sobre a legislação concernente ao tema, o levantamento do Território Indígena de Tangará da Serra, o impacto econômico desse Território.

A nossa Carta Magna prevê no seu Art. 231 que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

Ainda nesse sentido, temos a Lei n.º 6001/1973 – Estatuto do Índio, cuja finalidade é regular a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmonicamente, à comunhão nacional”.

Um dado importante e que chamou bastante atenção na mencionada reunião de trabalho, foi a apresentação do resultado de um estudo realizado pelo Engenheiro Mario da Silva Pinto, no qual concluiu que “uma família rural, trabalhando racionalmente, vive bem em uma área de 10 hectares, admitindo-se que existam 50 mil famílias indígenas, elas viveriam bem em 500 hectares, cerca de 5% do que lhe querem atribuir”.

Conforme apresentado, segundo o site Terras indígenas atualmente temos no Brasil 717 terras em diferentes fases do procedimento demarcatório; 115 em identificação; 43 identificadas; 73 declaradas e 486 homologadas.

É nesse ponto que importantes questionamentos devem ser interpostos. No caso de Tangará da Serra, por exemplo, ficou demonstrado que 51,10% da área total do município é destinada a Terras Indígenas. Consoante o senso do IBGE 2010, há 25 aldeias e uma população de pouco mais de mil habitantes ocupando mais da metade das terras do município. Entretanto, segundo estudos recentes do Instituto de Terra de Mato Grosso – INTERMAT, cerca de 20 anos após a emissão dos primeiros títulos, apenas duas aldeias foram identificadas na região. Ou seja, mais da metade da área total do município de Tangará da Serra é destinada a Terras Indígenas, e no entanto, ocupada por uma pequena e praticamente improdutiva população, enquanto pouco menos da outra metade é dividida entre todos os cerca de 100.000 habitantes.

Ainda, segundo estudos veiculados pelo Agrolink (2016), a região é ideal para a produção de sementes em decorrência de sua altitude e aspectos físicos de relevo. Ou seja, trata-se de uma economia municipal que é cerceada por interesses nebulosos. Não é razoável admitir que cerca de mil indígenas, necessitem de uma área tão extensa.

Vale ponderar que se trata de uma região com alto potencial de exploração, principalmente no que concerne ao subsolo.

Outro ponto que chama atenção é que, ainda que consideremos uma suposta boa vontade dos indígenas em cuidar da terra, isso se torna impossível devido às grandes dimensões em comparação com a pequena população. Esse fato refletiu na alta quantidade de focos de incêndio na área indígena: 3008 no ano de 2017 e 2312 de janeiro a agosto do corrente ano, conforme dados do Inpe. Queimadas muito superiores as que ocorreram no restante da área, ocupada pela população em geral.

Além disso, a arrecadação de tributos do município segue estagnada, porque a terra está improdutiva, ocasionando perdas inestimáveis a todos, uma vez que os tributos que deixam de ser arrecadados poderiam ser destinados a benfeitorias sociais coletivas como saúde, educação, segurança e infraestrutura.

Tamanha discrepância e perda não se justificam. Os nativos das aldeias de Tangará já não vivem sob a cultura indígena ou retiram seu sustento desse território há longa data. Há outras finalidades não explicitadas que podem subjazer nesse tipo de posicionamento, porque não há aparente, ou ainda, transparente finalidade para esse tipo de postura quanto ao território.

Não se brinca de índio em Tangará da Serra, mas parece que seguem brincando com a dignidade da população!