A (in)segurança sobre a terra

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

Não são raros os relatos de conflitos rurais e urbanos a respeito das propriedades em nosso País. O Brasil figura, há longa data, nos rankings mundiais dos países mais violentos e em que há mais mortes decorrentes das disputas por terra.

Muitas famílias vivem sob constante ameaça e a insegurança jurídica que existe sobre a documentação e regularização de áreas rurais e urbanas assombra a todos que têm que lidar com esse assunto.

Em decorrência dessa instabilidade, muitas pessoas deixam de investir, construir benfeitorias, gerar empregos, renda e movimentar a economia. Falta segurança para consolidar a produção e prosseguir com o andamento dos serviços.

Não se trata somente dos latifúndios em zona rural, bairros irregulares surgem todos os dias. É preciso pensar que não se trata de um problema de difícil solução, em que pesem os graves transtornos advindos da falta de documentação, vale questionar a quem beneficia a ampla desregularização fundiária nacional.

A maior parte dos conflitos sobre a terra tem origem na divergência entre os bens registrados como públicos e os registrados como privados.

Ademais das razões obscuras para que se perpetue a falta de regularização dos registros das propriedades, um motivo balizador dessa instabilidade é que apesar de existir um detalhado e vasto conjunto de regras e dispositivos legais que regulamentam a ocupação de terras, há uma franca divergência entre elas. Os muitos órgãos responsáveis pelo tema possuem cadastros distintos, onde os dados não se cruzam e não dialogam entre si.

Essa debilidade de governança no País institui arquivos caóticos e insegurança em qualquer cidadão que pretenda adquirir um imóvel. Pessoas que ocupam áreas há gerações, muitas vezes possuem documentos de compra e venda, mas não possuem títulos oficiais que indiquem a propriedade da terra. Tal desinformação enseja fraude de documentos, grilagem, vendas irregulares e até mesmo conflitos que levam à morte. Realidade que não é inusitada em um Estado com as medidas de Mato Grosso.

Os relatos de incêndios criminosos, ocupações por intermédio de força e juras de morte são comuns. Está-se diante de mais uma negligência pública, onde em alguns casos, o próprio Estado emite títulos que depois acusa como falhos.

Não se trata apenas de uma questão judicial, essas questões são políticas e sociais. É preciso ponderar, como já vem sendo evidenciado pela experiência, que a decisão judicial não basta. É imprescindível que o Estado também atue, realizando o devido levantamento e cadastro das famílias e oferecendo condições para que essas pessoas sigam sua vida e não passem a integrar mais uma gama de problemas sociais.

Não se discute a estagnação do progresso, mas uma sociedade que deve prosperar em paz e com caráter isonômico preservado, como rege a Lei Maior. Quando o Estado não cumpre o dever que lhe cabe, oportunistas entrem em ação.

Adquirir imóveis no Brasil ainda é um processo inseguro. O custo que isso atinge vai muito além do prejuízo financeiro direto. Os danos reverberam e ecoam longamente.

Tais gargalos paralisam fluxos de crédito e crescimento do PIB. Sem regularização fundiária e ambiental, o desenvolvimento social urbano e rural é impossível.