Quem paga a conta?

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

Neste mês de janeiro, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, firmou um ofício que determinou a “suspensão da execução de todos os convênios e parcerias, incluindo termos de colaboração e termos de fomento com instituições do terceiro setor” por um lapso de 90 dias.

A modalidade de contratação por convênio funciona de maneira que órgãos do poder público assinam contratos com outras entidades públicas ou do terceiro setor, sem fins lucrativos, com a finalidade de execução de projetos de interesse público. O financiamento pode ser oriundo de recursos públicos ou privados.

A ideia preconizada é fazer uma avaliação das atividades executadas pelas ONGs, de modo que elas prestem contas

A ideia preconizada na medida supracitada é fazer uma avaliação das atividades executadas pelas ONGs, de modo que elas prestem contas dessas.

De forma complementar ao ofício mencionado, o Ministério do Meio Ambiente enviou uma nota a VEJA afirmando que “não suspenderá convênios ou parcerias que estejam em execução”. “Não haverá, portanto, suspensão unilateral daquilo que já está em andamento para que não haja prejuízo para o meio ambiente.”

A ideia é fazer com que o terceiro setor, como todos os demais que se utilizam de dinheiro público para se financiar ou que interfiram diretamente no interesse da coletividade, sejam submetidos a controle e atuem de modo transparente.

É evidente que o posicionamento do Ministério recebeu muitas críticas, mas vale a ponderação: se as ONGs estão agindo de maneira correta, usando os recursos para os fins devidos, não há motivos para se preocuparem. As instituições sérias e ilibadas, defensoras do bem-estar social e do meio ambiente deveriam ser as primeiras a se erigirem em prol de um reordenamento.

A reavaliação propostas lida com valores expressivos, por exemplo, com o Fundo Amazônia, que é gerido pelo BNDES. Ademais, o documento implica um levantamento de todos os desembolsos efetuados por fundos do Ministério, como Fundo Clima, Fundo Nacional do Meio Ambiente e Fundo Amazônia que tenham como beneficiários organismos do terceiro setor. Além disso, o ofício estabelece que todos os convênios, acordos de cooperação, atos e projetos do Ibama, do Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro feitos com ONGs sejam remetidos para anuência prévia do gabinete.

Como gestor, o Ministro quer saber para onde vão os valores dispendidos pela pasta pela qual, por ora, responde e como foram utilizados: que conta foi paga com dinheiro público e quem pagou?

Segundo o Ministro, “ao final, os convênios e parcerias que estiveram corretos serão mantidos; os que precisarem de ajustes, serão corrigidos; e os que não cumprirem as exigências, serão suspensos.”. Decisão que, estranhamente, causa alarde em alguns.

A prestação de contas de recursos públicos e privados deveria integrar, de forma sistemática, o modo de operar de qualquer instituição que a eles se vinculem, trata-se até mesmo de um modo de organização e planejamento.

Na hipótese de uso de verba pública para financiar esse tipo de projeto, a imprescindibilidade da transparência ecoa ao som de obviedade. No que concerne às verbas de origem privada, que partem de contribuição de pessoas jurídicas, pessoas físicas e de associados ou em outra fonte legal, basta que seja identificada para fins de conhecimento.

A Lei 13.019/2014 orienta que a prestação de contas das entidades sem fins lucrativos deve ser norteada pela verdade e pelos resultados alcançados, estruturada sob informações, documentos de um acervo probatório legítimo. O ato de apresentar uma prestação de contas transparente é instrumento que viabiliza o conhecimento da situação contábil e financeira, das atividades exercidas e do volume de projetos e a quem eles beneficiam.

Estamos nos referindo a legitimidade, a distinções éticas e políticas, ao reconhecimento e comprovação de papéis econômicos e sociais. Não há que se sustentarem privilégios. Considerando o escopo de atuação das ONGs, elas deveriam figurar como as mais interessadas em defender os direitos difusos de cidadania, prover suas operações de técnica para garantir o alcance dos respectivos ideais sem nada a esconder.