A (falta de) transparência no 3º setor

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

A decisão do Ministro do Meio Ambiente, relatada aqui, vem causando polêmica e indagações, principalmente daqueles que se dizem defensores do meio ambiente, envolvidos com ONGs a serem investigadas.

O Ofício emitido e as posteriores declarações midiáticas do Ministro são dotadas de objetividade e clareza: trata-se de averiguar como o terceiro setor atua, de onde vêm os valores por ele disponibilizados e a que tipos de atividades as ONGs se destinam.

O dever da transparência não deve eximir ninguém, tampouco assustar aqueles que clamam por justiça. Passa da hora do terceiro setor apresentar à sociedade e à administração pública, que, diga-se de passagem, o sustentam, quais as suas práticas e resultados alcançados. A matéria da transparência figura com tamanha relevância que oportunizou a aprovação da Lei nº 12.527/2011, popularmente conhecida como Lei de Acesso a Informação; e a Lei Complementar 131/2009, a qual alterou a redação da Lei de Responsabilidade Fiscal quanto à transparência da gestão fiscal.

Insta destacar que os dispositivos supramencionados obrigam a transparência do manejo de recursos públicos por organizações privadas, fazendo a exigência da observância da publicidade como preceito geral e o sigilo como exceção. Assim, é preconizada a divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações.

O dever da transparência não deve eximir ninguém, tampouco assustar aqueles que clamam por justiça. Passa da hora do terceiro setor apresentar à sociedade e à administração pública

Embora o Ofício noticiado se remeta às organizações privadas sem fins lucrativos, essas recebem recursos públicos para a realização de ações de interesse público, portanto, por coerência,  estão submetidas à legislação supracitada.

Ainda que o terceiro setor também seja composto de muitas organizações sociais idôneas, ele foi muitas vezes, protagonista de escândalos sobre corrupção e outras atitudes inescrupulosas. Urge, até mesmo para que aquelas instituições que tenha sua existência validada por sua legalidade e reputação ilibada que contratos e parcerias sejam analisados e revisados, quando necessário, com a finalidade de prestar contas de maneira segura e com riqueza de informação suficiente para garantir o bom uso dos recursos e o real benefício aos objetos que devem ser protegidos.

Não parecem ocupar lados opostos o gestor de uma organização legítima, que quer ter como devidamente fundamentadas a ação de sua respectiva organização; e os interessados em desenvolver a prática da transparência e controle, como órgãos de fiscalização. Até mesmo apoiadores e patrocinadores se beneficiam de uma atuação em que se possa compreender sistematicamente e mensurar os resultados que apresenta.

A sustentabilidade, em que pese ser estruturante nas ONGs, ocupa a posição de um pé das diretrizes do terceiro setor; é necessário que as atividades sejam desveladas e acessíveis aos olhos de órgãos de controle, bem como da sociedade civil. Ademais, deve-se ter em mente que as áreas de atuação das ONGs estão diretamente relacionadas ao interesse coletivo, ou seja, devem abeirar-se ao controle popular por tratar exatamente daquilo que lhe compete.

Áreas de atuação das ONGs estão diretamente relacionadas ao interesse coletivo

Vale lembrar que quando se fala em prestação de contas, independentemente de se referir ao setor de iniciativa privada ou ao poder público, ultrapassam-se as questões da boa e regular utilização dos recursos que são conferidos a quem for de competência para tanto. Entra ainda nessa conta, a responsabilidade por aqueles recursos e poderes.

De outro norte, deveriam, sim, orgulhar às ONGs de poderem demonstrar e comprovar como suas atuações são eficientes e morais quanto às missões sociais abraçadas por intermédio da elaboração e apresentação de prestações de contas, quer sejam endereçadas ao seu conselho fiscal, aos seus colaboradores, voluntários, doadores e beneficiários, aos órgãos públicos concedentes de recursos e titulações, ou ainda, aos órgãos de controle e fiscalização.

Aproxima-se da lógica o absurdo, em tempos de 2019, termos que defender uma prática que já deveria compor a cultura das organizações de modo natural e espontâneo. Causa estranheza que o requerido pelo Ministro do Meio Ambiente cause incômodo justamente naqueles que bradam existir em prol do suprimento de demandas da sociedade.