O conceito de Reserva Legal (RL) em propriedades rurais no Brasil surgiu oficialmente na legislação brasileira no ano de 1934, com o advento do primeiro Código Florestal do país (Decreto nº 23.793/1934), que tinha por finalidade maior, garantir a produção de madeira, lenha e carvão, motivo pelo qual passou a obrigar os donos de terras do país a manter 25% da área de seus imóveis com cobertura de mata original, a chamada quarta parte.
Posteriormente, diante da necessidade de se reformular o Código de 1934, devido ao avanço da mecanização agrícola, das monoculturas e da pecuária extensiva, adveio o Código Florestal de 1965 (Lei Federal nº 4.771/1965), que embora tenha aperfeiçoado alguns dos instrumentos da antiga lei, manteve seus pressupostos e objetivos: evitar ocupação em áreas frágeis, obrigar a conservação de uma parcela da flora nativa para garantir um mínimo de equilíbrio ecossistêmico e estimular a plantação e o uso racional das florestas.
Orientando a ocupação de terras no Brasil por mais de 45 anos, o conceito de Reserva Legal foi ratificado há pouco mais de sete anos com a entrada em vigor da Lei nº 12.651/2012, o Novo Código Florestal. Nos termos do artigo 3º, III, da Lei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal), Reserva Legal é “toda área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa”.
Desse excerto, é possível concluir que na atualidade os proprietários/possuidores rurais vêm sendo obrigados a manter em suas propriedades particulares os percentuais de Reserva Legal exigidos por lei, as suas custas, criando uma discussão entre a função ambiental indenizável e a violação do direito de propriedade.
Nesse contexto, a manutenção das áreas de Reserva Legal, é uma dessas necessidades que ao ser olhada de longe pode desagradar o produtor. Mas basta um olhar mais atento para perceber que ela é necessária para garantir o disposto no art. nº 225 da Constituição Federal de 1988, desde que não traga ônus somente aos proprietários dos imóveis rurais, e que sejam respeitados os princípios constitucionais, como o direito de propriedade e o direito adquirido.
Recentemente foi circulada uma nota da Embrapa em relação à manutenção das áreas de Reserva Legal nas propriedades rurais do país, afirmando em síntese que: a Reserva Legal – RL desempenha papel fundamental na provisão de serviços ecossistêmicos, na manutenção de inimigos naturais de pragas agrícolas e balanço hídrico para boa parte das culturas agrícolas brasileiras; que complementa a conservação de populações e espécies não representadas nas raras e mal distribuídas Unidades de Conservação do país, especialmente nos biomas extra-amazônicos; que exerce função de manutenção da conectividade ecológica e facilitação do fluxo gênico de populações e espécies silvestres nas paisagens rurais; que cumpre sua função no âmbito da propriedade rural, na Micro bacia e na região onde se insere, e que, portanto, não deve ser substituída por Unidade de Conservação, muitas vezes distante, com outra identidade ecológica e com permissão de uso intensivo, como as áreas de proteção ambiental; que a proteção da vegetação nativa do Brasil é valorizada nas relações de comércio das commodities agrícolas, de modo que retrocessos na legislação ambiental poderão prejudicar as exportações do agronegócio, que possuem iniciativas para seu desmonte e sua manutenção como definido pela Lei nº 12.651/2012, e por fim, que a manutenção dessas áreas não representa ônus aos proprietários rurais.
Importa esclarecer que o direito de propriedade é o princípio de proteção das comunidades humanas pronunciado pela Constituição Federal, vez que nos termos do art. 5º, XXV e art. 184 da mencionada Carta, limita a intervenção do Estado de forma gratuita na propriedade privada, bem como pelo previsto no art. nº 1.228, § 4º e § 5, do Código Civil, determina o pagamento de indenização pela privação da propriedade.
No entanto, na atualidade, é possível afirmar que o esse direito vem sendo alterado em seu caráter absoluto, tendo em vista que os direitos de usar, gozar e dispor da forma que melhor lhe aprouver estão sendo limitados pelo argumento de que a propriedade rural deve cumprir sua função social, econômica e ambiental, para se ter o meio ambiente ecologicamente equilibrado, por ser bem de uso comum do povo, fato que em resumo, limita o uso da propriedade e acaba por impedir que os proprietários/possuidores produzam alimentos para si e para a sociedade como um todo.
Porém, vale lembrar que a nossa Constituição Federal, transforma em “cláusula pétrea” a função social da propriedade e o direito de propriedade, que são princípios da ordem econômica do país. É evidente que o princípio da função social da propriedade tem como requisito torná-la produtiva e manter a preservação e conservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. Daí, conclui-se que a função social da propriedade é uma afetação genérica, abstrata e constitucional, que faz parte do direito de propriedade com o intuito de satisfazer os direitos da sociedade.
No entanto, a função ambiental não pode ser usada como justificativa para intervenção do Poder Público no direito da propriedade particular sem pagamento de justa indenização. A manutenção das áreas de Reserva Legal deve ser indenizada pelos serviços ambientais prestados e pela restrição de uso, por destinar determinada área para conservar o meio ambiente para a sociedade em geral.
Analisando o art. 1º do Código Florestal, que reconhece as florestas existentes no território nacional como sendo bens de interesse comum a todos os habitantes do país, precisamos compreender que a sociedade não se sobrepõe ao indivíduo, pois não existe regramento legal que determina o sacrifício individual em benefício de toda coletividade e o inverso também é real.
“Por fim, é necessário promover com urgência a valoração ambiental das propriedades públicas e privadas que são patrimônios nacionais”
Ana Lacerda
O Estado, caso entenda necessário intervir no direito de propriedade, limitando o uso, fica obrigado a indenizar os prejuízos sofridos pelos proprietários atingidos, respeitando o princípio da igualdade, porque a Constituição não autoriza extinguir as comunidades humanas que exploram e/ou dependem da propriedade para sua subsistência, bem como, que exploram a propriedade para a produção de bens e serviços para o restante da sociedade, garantindo o conceito econômico da mesma.
Outro ponto que chama bastante atenção em relação aos percentuais de Reserva Legal determinados pelo Código Florestal é a quebra de isonomia entre os Estados da Federação: para os imóveis rurais inseridos na Amazônia Legal exige-se o mínimo de 80% quando situados em áreas de floresta; 35% quando localizados em área de cerrado e 20% em área de campos gerais. Nas demais regiões do país, exige-se a título de Reserva Legal a manutenção de no mínimo 20% da área do imóvel rural.
De outro lado, os onze países com mais de dois milhões de quilômetros quadrados de áreas protegidas existentes no mundo como: China, EUA, Rússia, dedicam apenas 9% dos seus territórios em média, com Terras Protegidas e nesses países não existem áreas de Reserva Legal, Zona de Amortecimento e Áreas de Preservação Permanente.
Por fim, é necessário promover com urgência a valoração ambiental das propriedades públicas e privadas que são patrimônios nacionais, levando-se em consideração, dentre outros fatores, os potenciais que possuem para produção de matéria-prima, água, plantas medicinais, turismo, recreação, recursos genéticos e recursos ornamentais, e efetivamente indenizar os proprietários de terras pela prestação de serviços ambientais, considerando que os ecossistemas naturais representam um papel fundamental na manutenção do sistema suporte de vida na Terra, no fornecimento de bens e serviços essenciais à satisfação (direta e/ou indireta) das necessidades humanas.
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