Justiça e legalidade: disparidades nas fiscalizações do meio ambiente

É fato conhecido que a Constituição brasileira estabelece, dentre outros princípios, a legalidade como uma norma básica para reger todas as obrigações dos brasileiros:  art. 5º, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Cabe esclarecer que quando a Constituição fala em “lei”, ela o está fazendo em sentido amplo, ou seja, remete a ela própria (norma constitucional) e às leis em si (todas as leis editadas no país). Assim, é adequado fazer aqui uma importante distinção entre o particular e o Estado. Enquanto o particular não está proibido de fazer nada que a Lei não proíba. O Estado só pode fazer aquilo que a lei expressamente determina ou permite.

Cumpre ressaltar então que tudo que é definido pelo Estado e pode ser juridicamente exigível é uma norma. Mas nem toda norma “obriga” o particular a fazer algo. As normas também podem proibir ou permitir expressamente uma prática.

A grande questão paradoxal desse contexto é que a autoridade dessas normas não provém delas próprias, e sim da lei que relegou àquele ente a capacidade de editá-la. Se não houver lei anterior criada pelo Poder Legislativo estabelecendo que o ente público edite uma norma, esta norma não terá qualquer força de obrigatoriedade.

Acrescida desse raciocínio, a função ambiental não pode ser usada como justificativa para intervenção do Poder Público no direito do proprietário, porque a lei apenas “cria os critérios e exigências” da função social na propriedade, que, por sua vez, é um direito individual e social. Portanto, não pode o Poder Executivo deliberar sozinho por decreto, portaria, instrução normativa e resolução e recomendações, nos termos do art. 68, II da CF/88.

“Não raras vezes, os produtores precisam promover medidas administrativas e/ou judiciais para tentar resguardar seus direitos, assegurados pelos dispositivos constitucionais e legais em vigor em nosso País, que infelizmente, em muitos dos casos, são violados por decisões quase nada fundamentadas, baseadas apenas em análises mal compreendidas e/ou interpretadas de dados remotos e/ou imagens de satélite, ou pela própria ideologia ambiental distorcida”

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quando edita a Recomendação n.º 99, de 2021 que “Recomenda a utilização de dados de sensoriamento remoto e de informações obtidas por satélite na instrução probatória de ações ambientais.”, elabora uma orientação, não uma norma, logo, não vinculativa.

Nesse caso, o uso dessas ferramentas foi recomendado considerando a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, no julgamento do Ato Normativo nº 0003275-49.2021.2.00.000 de relatoria da Conselheira Candice Jobim, durante a 331ª Sessão Ordinária do CNJ.

O relatório da Conselheira contou com a justificativa de que a referida Recomendação foi proposta em face da pertinência e relevância de adoção de medidas para o incremento das políticas públicas direcionadas ao Direito Ambiental, que é um dos cinco eixos prioritários da gestão do Excelentíssimo Presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, Ministro Luiz Fux, visando reforçar a importância do uso de sensoriamento remoto e de imagens obtidas por satélite no âmbito do Poder Judiciário como elemento de prova em ações ambientais.

É imprescindível destacar que o meio ambiente não é eixo de interesse de um ministério somente, é uma matéria constitucional e legal para a coletividade, é patrimônio inclusivo.

O sensoriamento remoto, nesse caso, consiste na técnica de obtenção de informações acerca de uma área localizada na superfície terrestre, sem que haja contato físico com ela. O termo sensoriamento refere-se a sensores instalados em plataformas, sejam elas aéreas (drones e outras aeronaves) ou estruturas orbitais, como satélites artificiais.

Muito tem se notado quanto aos esforços para a implementação de políticas públicas direcionadas ao direito ambiental no âmbito do Poder Judiciário, porém, há que se ter cautela para não se cometer arbitrariedades e violar o direito daqueles que estão produzindo de acordo com a lei.

É comum nos depararmos com a falta de fundamentação técnico-jurídica no ajuizamento e julgamento de processos ambientais, seja na esfera administrativa ou judicial. O meio ambiente virou palanque ideológico do mundo.

Não raras vezes, os produtores precisam promover medidas administrativas e/ou judiciais para tentar resguardar seus direitos, assegurados pelos dispositivos constitucionais e legais em vigor em nosso País, que infelizmente, em muitos dos casos, são violados por decisões quase nada fundamentadas, baseadas apenas em análises mal compreendidas e/ou interpretadas de dados remotos e/ou imagens de satélite, ou pela própria ideologia ambiental distorcida.

É preciso trazer à baila os muitos casos de equívocos realizados nas análises dos cadastros ambientais rurais (CAR), em que as imagens de satélite utilizadas não condizem com a realidade do imóvel rural.

A exemplo disso, cito as inúmeras análises constantes dos Cadastros Ambientais Rurais realizadas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA/MT, via imagens de satélite que pedem para os proprietários e/ou possuidores vetorizarem a existência cursos d’água, em locais que de fato esses cursos d´água não existem. Essa culpa não é da Secretaria ou do técnico, que são obrigados a usar imagens como fundamento de análise; mas acima de tudo, as consequências desse sistema não podem recair sobre o proprietário que está regular com a sua respectiva terra.

Não se pode deixar de considerar que a vida no campo, é dinâmica, pois em sua conjuntura, é feita pela natureza. A falta ou o excesso de chuvas, podem mudar a fisionomia de uma vegetação vista em uma imagem de satélite, por exemplo. Pensemos, por exemplo, nas áreas alagáveis de Mato Grosso.

As imagens de satélite podem sim auxiliar nas análises dos processos, mas na questão ambiental, a vistoria in loco e a prova pericial técnica, em muitos casos, são indispensáveis para o deslinde das demandas, pois fornecem a realidade dos fatos como eles realmente são. A Lei fala em perícia e não em recomendações. 

Os avanços precisam ocorrer, mas se faz necessário que sejam de todos os lados. Os magistrados possuem o avanço de analisar e sancionar em tempo real um produtor rural, porém este não possui a mesma chance quando se trata de defender-se. Justiça de um lado só não é justiça.

Com a pandemia, o acesso aos órgãos ambientais e ao poder judiciário se tornou ainda mais difícil. Em alguns órgãos é impossível.

As soluções para a aplicabilidade de uma boa e palpável política ambiental vão além dos esforços para apenas procurar culpados, também é preciso oportunizar ao homem do campo, que é o legitimo proprietário da terra, a mesma acessibilidade para a realização de suas defesas e da regularização ambiental de suas propriedades.

Com o avanço da tecnologia, é acentuada uma positiva melhora e otimização nos trabalhos de fiscalizações, entretanto, é preciso que o referido avanço caminhe possibilitando também ao produtor rural um espaço de diálogo e direito de defesa em que possa mostrar com clareza como se faz a vida e produção de alimentos no campo.

Fonte: rdnews.com.br