Quando se trata de terras indígenas é muito “confortável” tomar um posicionamento fácil e raso, que ecoe num discurso de alienação, distante das reais condições de cada caso. Antes de tomar um posicionamento definitivo sobre assuntos delicados e polêmicos como este, é necessário munir-se de informações confiáveis e ter um olhar sobre a complexidade da causa.
É evidente que a proteção aos direitos e as garantias dos povos indígenas deve ser levada em consideração, mas não se pode olvidar que a mineração é uma atividade basilar para o desenvolvimento econômico e social de qualquer região. Aí reside a imprescindibilidade da formulação de uma política mineral inclusiva, que contemple a todos as partes interessadas, tendo como fundamento modelos e cautelas para a expansão das fronteiras minerárias.
Apenas para municiar o leitor de maiores condições de análise, basta verificar o quanto a mineração, na forma como hoje é feita nas terras indígenas, é predatória, causa danos de magnitude e proporção não mensuradas ao ambiente e, por qual razão isso ocorre? Justamente pelo fato de sempre ser “tapado o sol com a peneira”, com total ausência de regulamentação e fiscalização, dicotomia essa que faz com que a utilização dos recursos minerários nessas regiões se dê de maneira irregular, precária, trazendo danos ao ambiente e aos indígenas, fato que precisa ser combatido.
Como elucidado anteriormente, estamos diante de um panorama multidisciplinar que, se mal tratado, pode resultar em ainda mais conflitos. Sabe-se que embora já prevista na Constituição Federal, a mineração em terras indígenas carece de regulamentação ainda na contemporaneidade, razão pela qual as lacunas verificadas sobre o tema seguem alocando contendas e violências que atingem a todos, então por qual razão não se regulamenta essa atividade?
Questionamento muito difícil de ser respondido de forma objetiva, até pelo fato de ser um certo eufemismo ter respostas simples para questionamentos complexos.
Assim, em razão de um suposto e já posto antagonismo, é importante frisar que a Carta Magna de 1.988, lá em seu artigo 231, entabula que são “ reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”, de forma ainda mais específica o § 3º, do artigo mencionado, estabelece que “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.”.
Novamente vem à tona o questionamento, alhures realizado, por qual razão então não se regulamenta algo que está previsto na norma que dá origem e validade a todas as demais, a Constituição Federal?
Mais uma vez, para não cairmos na tentação de ter resposta simples a problemas complexos, acreditamos que é necessário maiores elucidações para se ter a resposta mais correta. Continuemos.
Se a famosa “Constituição Verde”, vinculada à legislação ambiental mais rígida que se tem notícia na atualidade, já prevê que essas terras sejam utilizadas de modo a proporcionar um desenvolvimento sustentável, cremos que a regulamentação não ocorre pelo fato dela trazer prejuízos, não aos indígenas, mas, àqueles que ali exploram, sem qualquer obrigação de reparação ou de proteção da natureza, através de exploração predatória com evasão de riquezas, entregando nosso minérios (ouro e diamante, principalmente) sem ficar um mísero centavo aos indígenas e a população mediante o devido pagamento de “tributos”.
Em decorrência de não ser infra regulamentada, a matéria ainda carece de definições jurídicas e já foi alvo de mais de uma centena projetos de lei. Quando percebido em sua totalidade o escopo aponta que o direito clama por uma remodelação de seu paradigma atual.
Merece ainda ser sublinhada a desmedida interferência internacional em questões de mineração nacional. Não se pode escamotear o fato de que o Brasil ocupa uma posição de competição internacional de destaque, devido à qualidade e quantidade de minérios em seu subsolo. Outrossim, são numerosas as denúncias contra empresas belgas e francesas, não raras vezes travestidas de ONGs, explorando ilegalmente e poluindo regiões amazônicas e outros territórios que teoricamente deveriam proteger.
“É indiscutível que ausência de regulamentação beneficia apenas os exploradores predatórios do ambiente, aqueles que degradam, exploram os indígenas, causam caos, calamidades nas aldeias”
A trava da continuação das discussões sustentada por ditos ambientalistas tem efeitos adversos, algo patente no atraso da regulamentação, eis que isso gera um entrave à exploração legalizada e devidamente fiscalizada e, pior ainda, pois, sua ausência incentiva o garimpo ilícito, que acarreta um amontoado de problemas políticos, sanitários, sociais e ambientais.
Com todas as ressalvas já expostas, é indiscutível que ausência de regulamentação beneficia apenas os exploradores predatórios do ambiente, aqueles que degradam, exploram os indígenas, causam caos, calamidades nas aldeias, contaminam a água com mercúrio, trazem doenças e todas as atrocidades que chegam com o garimpo ilegal. Os índios e a sociedade só perdem com isso.
Não se pode olvidar que a ideia, também defendida pela Constituição Federal, tramita em torno de alterações que permitirão uma interação justa das comunidades indígenas com o restante da população brasileira, evitando subjugos e invasões, viabilizando a participação desses povos nos rendimentos correlatos. É a oportunidade de, por meio do conhecimento dos recursos geológicos, que as comunidades de cada território indígena, optem por novos caminhos, bem como deixem de ser meramente exploradas por conglomerados internacionais, que apenas degradam o ambiente, explorando-o de maneira extremamente maléfica, seja aos indígenas, seja a população como um todo, pois, as crateras, a degradação deixada pela exploração ilegal é prejuízo ambiental que fica “nas costas” de todos nós.
Nesse sentido, propôs o Poder Executivo o Projeto de Lei (PL) nº 191/2020, que visa regulamentar o §1º do art. 176 e o §3º do art. 231 da Constituição Federal, bem como estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos, para o aproveitamento de recursos hídricos na geração de energia elétrica em terras indígenas.
Como exposto, é essencial debater o tema, tendo em vista que a legislação em vigor prejudica tanto as comunidades, quanto o Brasil como um todo. Em que pese a inexistência do amparo legal, a Agência Nacional de Mineração tem mais de 3.500 processos minerários protocolados sob análise, isto é, o não debate não impede a atuação não regulamentada ou ainda não autorizada, ao contrário, ela expande, razão pela qual é urgente “deixar de tapar o sol com a peneira” e abrir o debate com a sociedade civil de forma organizada.
Por fim, conhecer e valorizar a biodiversidade, a geodiversidade e ajustar políticas públicas que caminhem no sentido de trazer desenvolvimento social e distribuição de riquezas é o caminho mais viável para fortalecer a preservação em todas as suas formas, tanto econômica, quanto ambiental. Que nossos legisladores entendam isso, bem como a sociedade se organize para darmos esse passo, concretizando de forma direta a nossa “libertação” e independência dos desmandos estrangeiros em nosso solo pátrio.
Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com
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