Está em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso uma proposta legislativa, Projeto de Lei no. 561/2022, de autoria da Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Recursos Minerais, que pretende fazer alterações na Lei no. 8.830/2008, a qual “estabelece a Política Estadual de Gestão e Proteção da Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso, definindo seus princípios e atribuições do poder público para manutenção da sustentabilidade ambiental, econômica e social”, conhecida como “Lei do Pantanal”.
De início cumpre rememorar que a Lei no. 8.830/2008 tem como fundamento o exposto no Art. 225, § 4°, da Constituição Federal, que entabula a necessidade de uma lei que regulamente o uso e assegure a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais de várias fitofisionomias florestais brasileiras, dentre elas, o Pantanal mato-grossense.
Assim, o escopo macro da Lei no. 8.830/2008 é justamente dispor sobre a Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai, no Estado de Mato Grosso, definindo seus princípios e atribuições do poder público para manutenção da sustentabilidade ambiental, econômica e social.
Nesse sentido é preciso destacar que se trata de um projeto de lei que pretende inovar, uma vez que, irá diferenciar os extratos existentes no Pantanal, principalmente as áreas da Planície nas quais são permitidas atividades econômicas que aliem o desenvolvimento produtivo com a preservação, como é o caso da pecuária extensiva tradicional e do ecoturismo.
Como exposto anteriormente, o intuito macro é dar a devida segurança jurídica ao homem do campo, ao Pantaneiro, pois sabe-se que a pecuária em regime extensivo, na qual o gado pastoreia o capim nativo e é “mudado” de lugar com base no movimento da água é algo existente há muitos anos, mais ainda, é justamente esse regime de pastoreio e o cuidado que se tem nesse manejo que faz com que o Pantanal seja preservado, uma vez que, não se olvide, querido leitor, que é o homem pantaneiro quem mais trabalha para a proteção desse bioma tão importante, ainda mais que a sua sobrevivência depende da longevidade da região.
Dessa forma, o Projeto de Lei em comento expressa as atividades compatíveis que poderão ser objeto de uso nessas áreas; se concretizará a preservação efetiva, pois caminharão juntos o uso sustentável ao economicamente rentável e ecologicamente correto dos recursos naturais, por meio de análise técnica que definirá onde é viável, bem como, onde não se deve ter atividades que poderiam incorrer em danos, principalmente nas chamadas áreas de preservação permanente.
Insta sublinhar que o objetivo da proposta, projeto de Lei no. 561/2022, que ora tramita na casa de leis do Estado de Mato Grosso, é justamente colocar em prática o que está expresso no Art. 3º da Lei no. 8.830/2008, uma vez que tal norma jurídica entabula ser objetivo da Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso “[…] promover a preservação e conservação dos bens ambientais, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental, social e econômica, visando assegurar a manutenção da sustentabilidade e o bem-estar da população envolvida.”.
Amigo leitor, fácil é de se perceber que o bem-estar da população deve ser contemplado quando se trata de meio ambiente, mais ainda, quando o intuito é preservá-lo, afinal de contas, o homem é ser inseparável na natureza, indissociável.
A matéria em análise deve ser aprovada por várias razões, observe-se o que é verificado nos incisos XII a XIV do Art. 3º, da Lei no. 8.830/2008, que demonstra ser indissociável da Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso trabalhar com “XII – reconhecimento dos saberes tradicionais como contribuição para o desenvolvimento e gestão das potencialidades da região; XIII – respeito e valorização às formas de uso e gestão dos bens ambientais utilizados por povos e comunidades tradicionais; XIV – respeito à diversidade biológica e aos valores ecológicos, genéticos, sociais, econômicos, científicos, educacionais, culturais, religiosos, recreativos e estéticos associados.”.
Como se observa, o próprio legislador já marcou como inarredável, algo que faz parte da política pública de gestão e proteção do Pantanal, o saber, o conhecimento, o modo de viver e produzir do povo Pantaneiro, e mais, coloca como algo imprescindível para o uso sustentável do bioma, a gestão e o modo de produzir dele, até mesmo porque equipara valores ecológicos com sociais e econômicos, pois, acertadamente não é possível ter uma sociedade sem tais pilares.
Ademais, o Art. 4º da norma a ser alterada elenca as diretrizes básicas da Política Estadual de Gestão e Proteção à Bacia do Alto Paraguai no Estado de Mato Grosso, das quais se destacam a preocupação com o desenvolvimento rural, indústria, comércio, turismo e da sociedade civil organizada, integração da gestão ambiental com a gestão dos recursos hídricos e com a gestão do uso do solo, promoção dos meios necessários para a efetiva participação dos povos e comunidades tradicionais nas instâncias de controle social e nos processos decisórios relacionados aos seus direitos e interesses.
Na alteração proposta (projeto de Lei no. 561/2022) tem-se a inclusão do parágrafo único no Art. 7º, que acrescentará a previsão de permissão de acesso e uso para a pecuária extensiva nas áreas consideradas de preservação permanente na Planície Alagável da Bacia do Alto Paraguai de Mato Grosso que possuam pastagens nativas, algo já utilizado de forma sustentável há vários anos.
Outrossim, a ideia prevê, no Art. 8º (…) § 1º, que nas Áreas de Conservação Permanente relacionadas será permitido o acesso e uso para a pecuária extensiva e atividades turísticas, também se terá no inciso VI (os diques marginais naturais) e VII (capões de mato e murunduns) a habitação dos ribeirinhos, sede e retiros de fazendas, vedadas às intervenções que impeçam o fluxo da água.
Outro ponto de destaque está no Art. 9º, na revisão da lei, que passaria a incluir incisos que proibirão o plantio de culturas perenes em larga escala, por exemplo, de cana-de-açúcar e soja nas terras pantaneiras, bem como a instalação e funcionamento de pequenas centrais hidrelétricas – PCH, de usinas de álcool e açúcar, carvoarias, e outras atividades que dependem de EIA-RIMA.
Sabe-se que o direito de ir e vir é um dos mais importantes do cidadão brasileiro, o Pantaneiro não está fora desse escopo, ao contrário, faz parte dele como todos, razão pela qual foi dada a devida atenção, pela Comissão autora mencionada, no que concerne à infraestrutura, contemplando a construção de estradas com a ressalva de que, caso interferiram no fluxo das águas, deverão ser construídas com pontes, manilhas e outros mecanismos que o possibilitem.
Nessa mesma orientação, que alia o desenvolvimento com a proteção, é a nova redação proposta para a instalação de obras e empreendimentos de infraestrutura e abastecimento para atividades de turismo e pecuária extensiva com finalidade de contemplar a região e permitir ações preventivas e de combate a incêndios florestais, na forma do regulamento, tudo para se conseguir aliar a dicotomia necessária do chamado dois P’s – produzir e preservar.
Importante ressaltar que as alterações visam consertar incoerências, que trazem significativas inseguranças jurídicas ao homem do campo, que já constavam na Lei anterior (Lei 8.830/2008) como a vedação de alteração ou utilização das áreas de conservação permanente, algo oposto ao previsto no § 2º do art. 8º (da Lei 8830/2008) que demonstra ser possível “a supressão parcial da vegetação nativa, visando sua substituição, nas Áreas de Conservação Permanente, poderá ser realizada por meio de prévio licenciamento junto à SEMA na forma do regulamento”.
O rol constante no projeto de lei 561/2022 não dá abertura para deliberações de uso ou proibição, a nova propositura coaduna com a realidade de que as áreas do Pantanal são extensas e possuem uma vasta caracterização de formas de vegetação, se tornando totalmente inviável cercar toda área considerada de preservação permanente, como foi o intento primário e que não deu certo.
Outra mudança importantíssima trazida no Projeto de lei 561/2022 é a permissão para limpeza de áreas, fator essencial até mesmo para a prevenção de incêndios, tão frequentes e graves na época de estiagem que se aproxima.
Mais uma vez o projeto coaduna com o exposto no inciso XII do art. 3º da Lei no. 8830/2008, pois, reconhece o saber tradicional do Pantaneiro, algo que, após o estudo fica muito claro, pois, por qual razão o homem do campo vai retirar o alimento de seu gado com a limpeza da pastagem? Simples, ele sabe que se assim não fizer o fogo poderá vir, se alastrar e acabar com tudo. Assim, por meio da limpeza, ele consegue preservar a manutenção do uso sustentável do local. Mais uma vez ele pratica o chamado dois P’s – preserva e produz.
Diante de todo o exposto, espera-se que seja aprovada a nova redação legislativa o quanto antes, ainda mais porque as alterações propostas são muito coerentes e justas, pois, caminham no sentido de viabilizar a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento de atividades essenciais para a população que vive na região pantaneira. A legislação deve acompanhar, sobretudo, a realidade sobre a qual ela interfere, respeitando sempre os saberes tradicionais como contribuição para o desenvolvimento e gestão das potencialidades da região, juridicamente chamado de uso e costumes.
Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com
« Mineração em terras indígenas – destruição da natureza ou salvação dela?
Projeto de lei sobre mudanças de área rural consolidada »
You May Also Like
Regularização ambiental do imóvel rural
Compensação de reserva legal: STF decide que vale o conceito de “bioma”!
Moratória da soja: a revanche de Mato Grosso!
Mudanças na “Lei do Pantanal”