Foi publicada no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso, no dia 05 de setembro de 2022, a Resolução No. 45 de 31 de agosto de 2022, do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA, que regulamenta a proteção e o licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos localizados em áreas úmidas no âmbito do Estado de Mato Grosso.
Importante salientar, já de início, que as áreas úmidas desempenham um importante papel socioambiental, uma vez que, por meio delas os aquíferos subterrâneos são recarregados, eis que a água armazenada vai sendo liberada de forma lenta, gradual, além de ser um local de grande ciclagem dos nutrientes e que proporciona oportunidades e benefícios para a população e vida silvestre.
Como exposto, fácil de se perceber o quanto as áreas úmidas são relevantes, ainda mais quando se analisa o aspecto de proteção e produção nestes locais.
Assim sendo, para que tais locais (áreas úmidas) continuem desempenhando esse papel, é extremamente relevante ter uma normatização para o uso sustentável, algo que alie o uso, preservação, conservação, recuperação e que estabeleça procedimentos para o licenciamento das atividades potencialmente poluidoras ou degradadoras de forma clara e objetiva, sem ideologias, mas, sim de forma técnica.
Pela imprescindibilidade de uso sustentável das áreas úmidas a normativa (Resolução CONSEMA Nº 45/2022), trouxe significativas mudanças de uso (atividades) nestes locais, excetuando as atividades desenvolvidas na Planície Alagável do Pantanal, que é regulamentada pela lei nº 8.830/2008.
De início, a Resolução CONSEMA Nº 45/2022 define, no artigo 2º, que áreas úmidas são pantanais e superfícies terrestres que de forma periódica ficam com lâmina d’água, cobertas originalmente por florestas ou outras formas de vegetação adaptadas à inundação.
“Para que tais locais (áreas úmidas) continuem desempenhando esse papel, é extremamente relevante ter uma normatização para o uso sustentável, algo que alie o uso, preservação, conservação, recuperação e que estabeleça procedimentos para o licenciamento das atividades potencialmente poluidoras ou degradadoras de forma clara e objetiva”
Nesse sentido, importante é o leitor ter o conhecimento que, pelo fato de ficar boa parte do ano com lâmina d’agua, os solos presentes nestas localidades (áreas úmidas) diferenciam-se, e muito, dos outros tipos de solos.
Para que se possa ter a presença de lâmina d’agua em boa parte do ano, imprescindível é que os solos não sejam tão permeáveis, possuam a argila em percentual maior em sua composição textural, quando comparados com as demais frações do solo, areia e silte e, como regra, são acinzentados ou escuros, face à presença pequena de hematita na sua composição.
Sem sombra de dúvidas, como bem sabe nosso saudoso homem do campo, o solo presente em um local é um excelente indicador da sua paisagem, razão pela qual, para se conseguir preencher as condições, anteriormente elencadas, os solos mais comuns, presentes nas áreas úmidas, são os chamados solos hidromórficos, que em condições naturais se encontram saturados por água, permanentemente ou em determinado período do ano, independentemente de sua drenagem atual e que, em virtude do processo de sua formação, apresentam horizonte (perfil) glei, isto é, horizonte mineral subsuperficial ou eventualmente superficial, com espessura de 15 cm ou mais, caracterizado por redução de ferro e prevalência do estado reduzido, no todo ou em parte, devido principalmente à água estagnada, como evidenciado por cores neutras ou próximas de neutras na matriz do horizonte, com ou sem mosqueados de cores vivas.
Outro ponto que também é merecedor de destaque, trazido na nova Resolução, refere-se aos Serviços Ambientais das áreas úmidas corresponderem a estocagem periódica da água e a sua lenta devolução para igarapés, córregos e rios conectados.
Algo muito comum, inclusive sendo realizado muitos e muitos anos, é a chamada drenagem dos solos hidromórficos para se realizar o cultivo de espécies com potencial produtivo.
A Resolução CONSEMA Nº 45/2022 descreve o processo de drenagem como sendo a “remoção do excesso de água dos solos de modo que lhes dê condições de aeração, estruturação e resistência, em casos em que a drenagem natural não for suficiente.”, ao passo que a drenagem agrícola seria aquela onde se teve a ação “antrópica consistente na remoção, através de mecanismos diversos, do excesso de água de camadas do solo à uma taxa que permita a exploração econômica das culturas e utilização da área por longo tempo.”
Insta esclarecer, por ser demais oportuno, que as áreas úmidas deverão ser identificadas e delimitadas no processo de regularização e licenciamento ambiental, antes da emissão da licença ou autorização da SEMA, porém deve ser seguido o mapa de solos hidromórficos do IBGE, algo que deve vir também no próprio CAR.
Importante deixar claro que por ser um mapa em escala grande (IBGE – 1:250.000), pode haver discrepâncias, razão pela qual é possível ser realizado Laudo Técnico, com ART no caso de ser observado discordâncias da delimitação. Nesse âmbito, é fundamental fazer uma checagem desses documentos antes de seguir os trâmites.
No que concerne ao licenciamento ambiental de atividades potencialmente poluidoras em Áreas Úmidas, o tema está disciplinado no Capítulo III. Para exercer esse tipo de atividade, serão exigidos estudos específicos sobre a viabilidade técnica do exercício da atividade em face da conservação das características ecológicas e hidrológicas dos ambientes e macro-habitats que compõem aquela Área Úmida, bem como deverá levar em conta a classificação dos solos aptos para atividade agrícola e pecuária, quando for o caso.
Quanto a esses estudos, consoante ao que prevê o artigo 5º, os termos de referência contidos no estudo deverão, quando em área urbana, trazer caracterização morfopedológica e os impactos da atividade considerando essa caracterização, por outro lado, quando em área rural, deverá trazer a caracterização morfopedológica na área de uso restrito localizada dentro da propriedade, bem como possíveis interferências nos fluxos de água, de sedimentos e de nutrientes dissolvidos em razão da atividade que será exercida. Entretanto, essa exigência fica dispensada para as atividades de baixo e médio impacto ambiental, constantes do Anexo da Resolução Consema nº 41/2021 e Decreto nº 1.268, de 25 de janeiro de 2022. Bons exemplos para atividades de médio impacto ambiental são a criação de bovinos, equinos de corte confinados de até 1.500 cabeças e, suinocultura, ciclo completo, de até 300 matrizes, entre outras.
No que se refere aos percentuais de uso, deverão ser observados o que prevê o Código Florestal, Lei Federal nº 12.651/2012.
De outro norte, deve-se estar atento, uma vez que, em que pese as atividades possíveis de serem realizadas estejam elencadas nas normas supracitadas, não se trata de um rol taxativo, assim, nos casos em que a atividade pretendida não esteja contemplada na resolução Consema nº 41/2021 e Decreto 1.268/2022, deverá ser apresentado o estudo ambiental que aponte a viabilidade técnica e ambiental do empreendimento, colocando os fundamentos científicos que sustentem ser tal atividade de baixo e médio impacto.
“As áreas úmidas deverão ser identificadas e delimitadas no processo de regularização e licenciamento ambiental, antes da emissão da licença ou autorização da Sema”
Quanto aos casos de atividade de drenagem com a finalidade do exercício de atividade agropecuária implantadas até a publicação da Resolução nº 45/2022, esses dependerão de licenciamento ambiental corretivo, no qual será apresentado Diagnóstico Ambiental, conforme TRP – Termo de Referência Padrão a ser emitido pela SEMA/MT.
No tocante à realização de obras de drenagem, essas ficarão limitadas a áreas de plintossolos (constituídos por material mineral, apresentando horizonte plíntico, litoplíntico ou concrecionário) e deverão ser observados, entre outros, critérios de teor de argila, de definição de aptidão agrícola (clima, vegetação, geomorfologia etc.) e risco de contaminação dos recursos hídricos por meio de estudos ambientais, bem como a dimensões e o traçado do dreno.
Ponto de restrição muito severa, quanto ao uso da água, é trazido no artigo 11 da Resolução, o qual prescreve que não será emitida a outorga do direito de uso de recursos hídricos para irrigação, seja para captação superficial ou subterrânea, em áreas drenadas que não estejam devidamente regularizadas. Essa limitação demonstra a necessidade de o produtor rural regularizar essas áreas o quanto antes.
Por fim, é preciso salientar que a regularização das atividades de drenagem em áreas úmidas para agropecuária, já implantadas, devem ser objetos de regularização junto a SEMA no prazo de 18 meses (contados da publicação da resolução), sob pena de aplicação de sanções ambientais (artigo. 13).
Como sempre é redigido nesta coluna, devem os produtores ficarem atentos a mais essa alteração legislativa para não serem pegos de surpresa.
Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com
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