No recente 31 de outubro, o Ministro Luís Roberto Barroso do Supremo Tribunal Federal proferiu decisão inédita na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 828 (numeração única: 0052042-05.2021.1.00.0000), que deixou as “bruxas à solta”.
Nesse sentido, teoricamente, a decisão do Ministro se vincula ao cenário da pandemia da Covid-19, em que argumentava ser razoável não fazer despejos coletivos para não prejudicar a população mais vulnerável, todavia, o cenário não é mais o mesmo e não se pode atender ao pedido de alguns ideologistas, tolhendo direitos constitucionais de outros.
Desse modo, constou na citada decisão a necessidade da instalação imediata de comissões de conflitos fundiários pelos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, que deverão realizar inspeções judiciais no local do litígio, audiências de mediação previamente à execução das desocupações coletivas, inclusive em relação àqueles cujos mandados já tenham sido expedidos, e a observância do devido processo legal para retomada de medidas administrativas que possam resultar em remoções coletivas de pessoas vulneráveis.
Igualmente, restou assentado que as comissões poderão atuar em qualquer fase do litígio, inclusive antes da instauração do processo judicial ou após o trânsito em julgado.
“É imprescindível assinalar ainda que os invasores de terras privadas sabem que a responsabilidade sobre essas áreas não é deles. Ou seja, o proprietário terá que responder por atos ambientais que não praticou e por pessoas que ele não permitiu que estivessem em suas terras”
Assim, primeiramente importa rememorar que o Ministro é obrigado a respeitar as Cláusulas Pétreas dispostas no art. 60, § 4.º, da CF/88, quais sejam: a forma federativa do Estado; o voto, direto, secreto, universal e periódico; a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais, que jamais poderão ser modificados ou revogados enquanto a atual Constituição Federal estiver em vigor. Conforme previsto no Art. 2.º da CF/88, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si. Essas cláusulas pétreas não podem ser reformuladas ou modificadas por um Ministro.
Considerando o exposto, pergunta-se: Qual é o papel do Judiciário? Qual é o propósito das leis? O Estado Democrático de Direitos não é caracterizado pelo constitucionalismo, pela legalidade e segurança jurídica?
É preciso destacar que o Poder Judiciário deve garantir e defender a execução das leis, e não tentar alterá-las por ideologia Ministerial, considerando, que todos são iguais perante a Lei – art. 5.º, da CF/88.
Sobre o tema sabemos que, legalmente, para se adquirir uma propriedade no Brasil, a pessoa deve ser capaz de adquiri-la, a coisa deve ser suscetível de aquisição e deve existir um modelo de aquisição, seja pela transcrição do título de transferência no Cartório de Registro de Imóveis, pela acessão, usucapião e sucessão. Inclusive, a perda da propriedade privada no Brasil, se dá pela desapropriação por interesse público ou social mediante justa e prévia indenização.
Essa decisão ignora o que diz a Constituição Federal sobre o Direito à Propriedade e a Função Social da Propriedade, que produz alimentos e erradica a pobreza (art. 5º caput, e incisos XXII e XXIII da CF/88). Não podemos permitir essa tentativa de “retardar” o cumprimento de ordens judiciais, estimulando invasões de terras que geram guerra no campo, pelo apoio ao descumprimento das ordens judiciais.
Nessa perspectiva, nota-se claramente que caso essa determinação vigore no Brasil, estaremos diante de um novo ordenamento jurídico sem lei anterior que o defina, contrariando os incisos II e XXII, do art. 5.º, da CF/88, que asseguram respectivamente, que, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e que “é garantido o direito de propriedade”. Além, é claro, de convalidar as invasões de terras pelo País e “proibir” o ajuizamento de ações de posse em defesa da propriedade, vez que será permitido a interferência de uma comissão antes do ajuizamento da ação judicial, fato que beira ao fim da justiça, destruindo a autoridade dos magistrados, dos assistentes técnicos e peritos judiciais.
Assim os grandes desastres históricos acontecem. Aos poucos, decisões inconstitucionais vão sendo proferidas, e em breve, perder-se-á o controle até mesmo do mais básico. Está-se diante de uma pauta ideológica e arbitrária que prejudica enormemente toda a sociedade, o meio ambiente e até mesmo os próprios trabalhadores sem terras, que nesses casos, são utilizados como inocentes úteis da ideologia anarquista.
É imprescindível assinalar ainda que os invasores de terras privadas sabem que a responsabilidade sobre essas áreas não é deles. Ou seja, o proprietário terá que responder por atos ambientais que não praticou e por pessoas que ele não permitiu que estivessem em suas terras. Uma total falta de razoabilidade!
Não se pode deixar de mencionar: o direito à propriedade é inviolável! Notícias como essa, protagonizada pelo Ministro, incentivam a guerra no campo, desconsiderando ser inviolável o direito à propriedade, como cláusula pétrea, trazendo ainda mais violência ao campo e não carrega consigo nenhum argumento de melhora efetiva da condição social de ninguém.É apenas um homem da lei criando a ilegalidade na transmissão de terras. É preciso, mais que nunca, robustecer a estrutura do produtor rural, o grande motor da economia nacional, e não tentar tirar dele tudo, até mesmo a terra onde vive e produz alimentos.
É certo que o debate vai sempre estar em pauta, mas é importante que ele se faça no campo das ideias, sem vieses ideológicos, extremistas, para que a violência não tome conta, mais ainda do que já tomou.
É preciso ter à luz que mesmo que os padrões de desigualdade social permaneçam, como permanecem há anos no Brasil, esse fato não dá ao Ministro o direito de estimular a guerra no campo e violar a propriedade privada das pessoas.
A pobreza nacional se dá, sim, por falta de políticas públicas de reforma agrária e sociais adequadas, especialmente na área urbana. De outro norte, caso medidas como a que se analisa em tela sejam seguidas, toda a sociedade perde, pois se rasgará a Constituição Federal do nosso País, juntamente com todos os direitos assegurados por ela, de maneira arbitrária e ilegal.
Há que se respeitar o que determina a nossa Constituição Federal, e defender, sim, o proprietário, o produtor, trabalhador honesto que, dia após dia, vive as incertezas e insalubridades de produzir no Brasil e agora se vê, mais uma vez, em um jogo de interesses perverso que, além de pretender tirar-lhe as condições de trabalho, via insegurança jurídica já instaurada com tanta frequência, busca tirar-lhe o chão que pisa. Não permitiremos!
Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com
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