Sabemos que devido às características de ocupação/colonização histórica do nosso país, há muitos casos relativos a territórios que precisam ser sanados. Uma das saídas encontradas pelo poder público é o implemento da política social de Reforma Agrária que, em linhas gerais, está relacionada à distribuição de terras e diminuição de latifúndios. Todavia, é preciso que, na implantação dessa política pública, tudo seja realizado com respeito aos preceitos constitucionais, de modo efetivo e que proteja àquelas pessoas que, de fato, têm direito à propriedade; e não beneficie invasores.
Imperioso se destacar que já é consolidado pelo Supremo Tribunal Federal o exposto em letra de lei, art. 2º, § 6º, da Lei n. 8.629/1993, que deixa claro a impossibilidade de haver avaliação, vistoria ou desapropriação em imóvel rural objeto de esbulho possessório ou de invasão motivada por conflito agrário ou fundiário de caráter coletivo, bem como, nos dois anos seguintes à desocupação, vide o Mandado de Segurança n. MS 25.119 AgR, de relatoria do Ministro Nunes Marques.
Em que pese ser consolidada a impossibilidade de vistoriar o imóvel rural que foi objeto de esbulho, tem-se ainda que se identificado o invasor ele deve ser retirado do cadastro de possíveis beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária, bem como, caso já seja beneficiário, deverá ser excluído. Todavia, mantém-se a possibilidade desse invasor ter direito a receber recursos, participar de linhas de crédito público, bem como ter direito a regularização fundiária.
“Sabe-se que a instabilidade e a falta de segurança jurídica são problemas recorrentes nos processos de concessão de terras no Brasil. Muitas vezes, a concessão de terras é feita de maneira ilegal e sem critérios técnicos, o que gera conflitos agrários e impasses judiciai”
Assim, para se corrigir os benefícios que ainda possuem os invasores de imóvel rural, foi protocolado na Câmara Federal, pelo Deputado Lázaro Botelho, do partido progressista do Estado do Tocantins, o Projeto de Lei nº 1373/2023, que visa alterar a Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, deixando mais claro o impedimento daquele que cometa invasão de propriedade em ser beneficiário do Programa de Reforma Agrária, de regularização fundiária ou de linhas de crédito que tenham subvenções econômicas. A lei a ser alterada versa sobre a política de reforma agrária e da regularização fundiária no Brasil.
Também aborda o PL nº 1373/2023 o acréscimo do §7o-A, ao art. 2o da Lei 8.629/93, no qual, assevera que aquele que for efetivamente identificado como participante de invasão de prédio público, de atos de ameaça, sequestro ou manutenção de servidores públicos e outros cidadãos em cárcere privado, ou de quaisquer outros atos de violência real ou pessoal praticados em razão de conflitos fundiários, não poder ser beneficiado com o Programa Nacional de Reforma Agrária e, caso já participe, seja excluído, sem prejuízo da reparação civil e das sanções penais cabíveis.
Sabe-se que a instabilidade e a falta de segurança jurídica são problemas recorrentes nos processos de concessão de terras no Brasil. Muitas vezes, a concessão de terras é feita de maneira ilegal e sem critérios técnicos, o que gera conflitos agrários e impasses judiciais que podem levar anos para serem resolvidos.
A medida proposta tem como objetivo coibir invasões de terra e garantir que os recursos públicos destinados à reforma agrária e à regularização fundiária sejam utilizados de forma adequada, beneficiando aqueles que realmente precisam dessa política pública, não aqueles baderneiros que invadem imóveis rurais com fins escusos.
Nesse sentido, as ações propostas têm como intenção desencorajar a invasão de terras (e de prédios públicos), bem como evitar que indivíduos mal-intencionados se utilizem do mecanismo da invasão como meio para ingressar ou se manterem no Programa Nacional de Reforma Agrária.
A atitude é louvável, pois, permitirá que a reforma agrária seja direcionada de forma mais efetiva para aqueles que precisam dessa política pública, pessoas de bem que possuem ligação, trabalho com a terra e, por meio deste (do trabalho na terra), tenham como possibilidade o direito de garantir o sustento de suas famílias.
Nunca é demais rememorar que a Constituição Federal de 1988, nossa Lei Maior, estabelece em seu artigo 5º que “é garantido o direito à propriedade”, um direito fundamental dos indivíduos no Brasil. Esse direito, garantido pela lei máxima do país, é fundamental para a preservação da liberdade individual, da segurança jurídica e do desenvolvimento econômico.
O direito à propriedade privada permite que as pessoas possam ter controle sobre seus bens e recursos, podendo utilizá-los da forma que considerarem mais adequada para atender suas necessidades e interesses. Além disso, a propriedade privada incentiva a produção e a inovação, já que os proprietários têm interesse em investir em seus bens e buscar meios de torná-los mais rentáveis, contribuindo com o desenvolvimento do país, gerando renda e emprego.
Outro aspecto importante do direito à propriedade é a sua relação com a segurança jurídica. Quando o direito à propriedade é respeitado, os indivíduos têm a garantia de que seus bens e recursos estão protegidos e que não serão tomados de forma arbitrária ou ilegal. Isso permite uma maior estabilidade econômica e social, já que os proprietários podem investir com segurança e planejar em longo prazo.
É importante lembrar que a propriedade privada não é incompatível com a justiça social e a distribuição de renda. O Estado pode, e deve, adotar políticas públicas para garantir o acesso à propriedade para aqueles que não têm, como é o caso da reforma agrária. No entanto, isso não significa que o direito à propriedade deva ser removido ou desvalorizado.
Dessa forma, invasores de terras não devem ter o direito de ficar com a terra invadida, porque além de ser uma prática ilegal, isso prejudica a segurança jurídica e a ordem social. A invasão de propriedade privada é um crime, nunca podemos nos esquecer disso, razão pela qual, jamais e em tempo algum, pode o criminoso ser recompensado com nenhum tipo de benefício, mas, sim, sofrer as devidas consequências, ainda mais por violar um dos mais sagrados direitos do ser humano, o direito à moradia e à propriedade.
Ademais, a invasão de terras muitas vezes é utilizada por pessoas que não possuem a intenção de trabalhar na terra ou de usá-la de forma produtiva, ao contrário, na maioria das vezes, é uma prática utilizada para se ter benefícios ilícitos, algo esperado, pois, quem comete um crime tem o intuito de continuar na sua atividade delituosa. Assim, não raras vezes se observa os invasores vendendo os lotes que conseguiram na reforma agrária, via ato ilegal da invasão. Também é importante destacar que essas invasões podem gerar conflitos agrários, violência e insegurança para os proprietários e para a sociedade em geral.
É verdade que não se pode precisar os números estatísticos quanto ao tema, porque esses dados sobre invasão de terras no Brasil são limitados e muitas vezes incompletos. Isso se deve, em parte, ao fato de que muitas invasões ocorrem sem registro oficial e são resolvidas fora do sistema judicial.
No entanto, existem alguns dados disponíveis que podem fornecer uma visão geral do problema. De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), entre 2010 e 2020 foram registradas 1.204 invasões em áreas destinadas à reforma agrária no Brasil. Ainda segundo o INCRA, a região Norte é a que apresenta o maior número de invasões, seguida pelas regiões Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul.
Outra fonte de informação é a Comissão Pastoral da Terra (CPT)[1], que registra conflitos no campo em todo o país. De acordo com a CPT, em 2020 foram registrados 1.576 conflitos no campo, incluindo invasões de terra, ameaças, conflitos por água e outros. A região Norte liderou novamente em número de conflitos, seguida pelo Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
Igualmente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE[2] publicou dados que demonstram, de acordo com o Atlas da Violência 2020, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que houve um aumento de 3,8% no número de homicídios no campo entre 2018 e 2019, totalizando 1.833 casos no ano de 2019. Além disso, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou 1.576 conflitos no campo em 2020, incluindo invasões de terras, ameaças e outros tipos de conflitos.
Reitera-se que é gravíssimo que o Poder Público premie invasões! Os conflitos fundiários, invasões de terras e violências no campo acabam com a segurança e a qualidade de vida das pessoas que vivem na zona rural, além de prejudicar a produção agropecuária e a economia do país. Estamos falando de famílias de trabalhadores que tem suas terras invadidas e os respectivos direitos violados.
Assim, fazemos coro com o previsto no PL nº 1373/2023, uma vez que a posse ilegal de terras por meio de invasão não pode ser legitimada, premiada ou legalizada. É necessário que as políticas públicas sejam seguidas e que a Constituição seja respeitada para a regularização fundiária e a reforma agrária de forma justa e democrática, garantindo o acesso à terra para aqueles que realmente vivem e promovem a sustentabilidade e a segurança no campo.
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