Inicialmente é importante lembrar que a alienação fiduciária, regulamentada pela Lei 9.514/97, é uma modalidade de garantia que envolve a transferência de propriedade de um bem ao credor como garantia de pagamento de uma dívida.
Nesse contexto, o imóvel, seja ele urbano ou rural, é transferido ao credor fiduciário até que o devedor pague integralmente a dívida, e tem como característica principal a resolução da propriedade em favor do devedor quando este adimplir suas obrigações.
Vale ressaltar que o procedimento extrajudicial de retomada de imóvel é uma das características fundamentais desse instituto. Ele permite ao credor fiduciário, na hipótese de inadimplência do devedor, realizar a venda do imóvel por meio de leilão público. Esse procedimento é regulamentado pelos artigos 26 a 39 da Lei 9.514/97.
Ao longo do tempo surgiram muitas questões acerca da constitucionalidade da Lei 9.514/97, questões relacionadas ao devido processo legal e à ampla defesa, consagrados no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, o qual estabelece que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
“A alienação fiduciária, embora efetiva para os credores, implica na possibilidade de perda rápida da propriedade sem a necessidade de intervenção judicial”
A discussão emerge do fato que na alienação fiduciária, o procedimento extrajudicial de retomada de imóvel é realizado sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Isso significa que o devedor perde a propriedade do bem e a retomada é efetivada pelo próprio credor fiduciário, sem a necessidade de uma ação judicial, fazendo com que a constitucionalidade desse procedimento fosse objeto de discussão, principalmente no que se refere à possibilidade de restrição do acesso ao Poder Judiciário e à suposta ausência de um contraditório e ampla defesa mais robusta. Assim, alguns argumentam que a alienação extrajudicial, por sua natureza mais célere, poderia violar os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.
A pá de cal sobre o assunto veio do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 860631 pela Suprema Corte de Justiça, pelo qual o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de uma insurgência de um devedor contra a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), afirmou a constitucionalidade do procedimento extrajudicial para retomada de imóveis pela Lei 9.514/97, no caso de inadimplência em contratos de alienação fiduciária, sendo tal decisão de extrema relevância para o sistema financeiro e imobiliário brasileiro.
A tese apresentada pelo STF, ao afirmar a compatibilidade do procedimento com as garantias processuais previstas na Constituição Federal, tem implicações significativas, uma vez que o ministro Luiz Fux, relator do caso, ressaltou a finalidade da Lei de Alienação Fiduciária de facilitar o financiamento imobiliário e destacou que o procedimento previsto na lei é fiscalizado pelos cartórios de registro de imóveis.
Essa supervisão, na visão do STF, confere legalidade aos processos de retomada de imóveis sem a necessidade de intervenção judicial. E mais, a tese estabelecida pelo STF é vinculante, o que significa que todos os juízes e tribunais do país devem observar esse entendimento ao julgar casos semelhantes. A justificativa é que a decisão reforça a segurança jurídica nas relações contratuais de alienação fiduciária, proporciona maior previsibilidade para as instituições financeiras e, consequentemente, estimula o mercado imobiliário.
Entretanto, é importante observar como serão tratadas questões eventualmente específicas em casos concretos, sempre considerando a proteção dos direitos fundamentais dos envolvidos.
A citada decisão do STF confirmando a constitucionalidade do procedimento extrajudicial para retomada de imóveis pela Lei 9.514/97, em casos de inadimplência em contratos de alienação fiduciária, exige atenção redobrada, especialmente por parte dos potenciais devedores, uma vez que a efetividade concedida pelo procedimento extrajudicial é uma característica inegável, porém, para os possíveis devedores, representa um risco significativo.
A alienação fiduciária, embora efetiva para os credores, implica na possibilidade de perda rápida da propriedade sem a necessidade de intervenção judicial.
Portanto, é imperativo que os interessados em obter crédito por meio desse instrumento compreendam integralmente os termos contratuais em detalhes, avaliando cuidadosamente os prazos, condições e as implicações em caso de inadimplência. A cautela e o entendimento minucioso do conteúdo são fundamentais para mitigar os riscos inerentes a esse instituto.