Impactos da Circular 76/2023 no acesso ao crédito rural

O debate sobre a concessão de crédito rural no Brasil, particularmente em relação as mais recentes restrições impostas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) revela uma conjuntura complexa, permeada por uma série de questões que envolvem aspectos econômicos, jurídicos e sociais. A Circular número 76/2023 do BNDES, que impede a concessão de crédito rural a clientes finais com embargos ambientais vigentes, representa uma mudança significativa na política de financiamento agropecuário e traz implicações amplas para o setor, para o Estado de Mato Grosso, bem como para a sociedade brasileira como um todo.

“O simples fato de um imóvel estar listado no Cadastro de Autuações Ambientais e Embargos do Ibama não constitui prova irrefutável de cometimento de infração”

 

Inicialmente, é imperioso destacar (mais uma vez, fato que parece ter que ser rememorado diariamente) que o agronegócio é um dos pilares da economia brasileira, responsável por grande parte do Produto Interno Bruto (PIB) do país e por colocar comida na mesa de milhares de pessoas no Brasil e no mundo, além de tantos outros produtos de extrema necessidade ao alcance de cada cidadão desse país, promovendo, o crescimento econômico e assegurando a alimentação e muitos outros recursos à população.

 

A restrição imposta pela Circular número 76/2023, que impõe a vedação à contratação de operações de crédito rural e a suspensão de liberação de recursos a clientes finais com embargos vigentes registrados no Cadastro de Autuações Ambientais e Embargos do IBAMA e que não possuem medidas efetivas de regularização, como o protocolo de Projeto de Recuperação de Área Degradada (PRAD), Termo de Compromisso (TC), Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou outro documento congênere para a devida regularização ambiental,  cria um obstáculo substancial para os produtores rurais que dependem de financiamentos para viabilizar suas atividades e realizar  investimentos em suas propriedades. Tal medida, ao colocar em risco o acesso ao crédito, impacta direta e gravemente a produtividade e a competitividade do setor, com reflexos negativos na economia nacional, ferindo também o direito de propriedade e a igualdade.

 

Ademais, a exigência de que proprietários com embargos ambientais regularizem sua situação antes de obterem financiamento, ignora o princípio da presunção de inocência consagrado na Constituição Federal, artigo 5º, inciso LVII, ainda mais diante dos inúmeros equívocos e da morosidade nas análises e validações dos Cadastros Ambientais Rurais enfrentadas pelos produtores rurais em nosso País.   

 

 A imposição de uma sanção financeira sem o devido processo legal, sem garantias de ampla defesa e contraditório é um desvio inconstitucional. O simples fato de um imóvel estar listado no Cadastro de Autuações Ambientais e Embargos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não constitui prova irrefutável de cometimento de infração e/ou algum ilícito ambiental; não é incomum nos depararmos com a lavratura de termos de embargo equivocados e indevidos.

 

Além disso, a Circular número 76/2023 adota uma interpretação extensiva que vai além dos limites estabelecidos pelo próprio Decreto Federal número 6.514/2008, que regulamenta as sanções administrativas no processo administrativo federal. Conforme o artigo 15-A desse decreto, o embargo deve se limitar aos locais onde a infração ambiental foi comprovadamente praticada. Utilizar de eventual embargo para inviabilizar todas as atividades de um proprietário, independentemente de sua relação direta com a infração, viola o princípio da territorialidade e da especificidade da sanção.

 

No contexto específico do Estado de Mato Grosso, um dos maiores produtores agropecuários do país, a aplicação dessa norma gera efeitos devastadores. Os produtores rurais do nosso estado que já enfrentam desafios significativos relacionados ao cumprimento das milhares de normas ambientais vigentes e desafios relacionados à regularização fundiária e ambiental de seus imóveis, estão cada vez mais pressionados, enfrentando “exigências” arbitrárias para continuidade de suas atividades, influenciadas por ideologia sem fundamentação técnica que as justifique.

 

A imposição de restrições adicionais ao crédito desestimula investimentos e compromete a sustentabilidade econômica da região. É inegável que a segurança jurídica e a clareza normativa são essenciais para a atração de investimentos e para a promoção de um ambiente de negócios estável. A insegurança gerada por regras vagas e interpretações amplas prejudica os produtores e toda a cadeia produtiva, desde fornecedores de insumos até consumidores finais: cada um de nós!

 

É preciso também considerar o impacto social dessas medidas. O acesso ao crédito rural é vital para pequenos e médios produtores que, muitas vezes, dependem desses recursos para garantir a continuidade de suas atividades. A restrição indiscriminada ao crédito, sem levar em consideração as dificuldades já enfrentas pelo setor, como a morosidade e equívocos nas análises pelos órgãos da administração pública, agrava as desigualdades sociais, e infelizmente, muitos poderão até mesmo ser forçados a abandonar suas atividades.

 

Diante desse panorama, é essencial que as entidades representativas do setor agropecuário atuem de maneira proativa na defesa dos interesses dos produtores rurais. É fundamental que sejam promovidas revisões nas normativas que impõem restrições indevidas ao crédito rural, buscando um equilíbrio entre a proteção ambiental e a viabilidade econômica das atividades agropecuárias. O diálogo entre o setor produtivo e o governo deve ser constante, visando à construção de soluções que sejam justas, eficazes e que promovam o desenvolvimento sustentável.

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