No dia 20 de agosto do corrente ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) implementou significativas reformas normativas em sua Resolução número 35/2024, alterando substancialmente o panorama dos procedimentos de inventários, partilhas e divórcios no Brasil. Essas mudanças, aprovadas por unanimidade durante a 3ª Sessão Extraordinária de 2024, são fruto do Pedido de Providências número 0001596-43.2023.2.00.0000, de autoria do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), sob a relatoria do Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Luis Felipe Salomão.
A inovação trazida pela nova redação da resolução citada consiste na permissão para a realização de inventários e partilhas extrajudiciais, mesmo em casos que envolvem testamento, herdeiros menores de idade ou incapazes. Tal medida representa uma ruptura com a tradição jurídica que, até então, subordinava tais situações à homologação judicial, entendida como necessária para assegurar os interesses dos menores e incapazes.
Com a nova norma, desde que haja consenso entre os herdeiros, os procedimentos podem ser realizados diretamente em cartório, o que resulta numa desburocratização significativa de questões que antes eram atribuídas como uma das causas de sobrecarga do Poder Judiciário.
É importante ainda destacar que a resolução não elimina o papel do Judiciário, mas o ressignifica, ao passo que nos casos em que haja menores de idade ou incapazes, a nova regulamentação estabelece que a escritura pública de inventário deve ser encaminhada ao Ministério Público (MP), que exercerá um papel fiscalizador.
Nesses casos, se o MP considerar a partilha injusta ou se houver contestação por parte de terceiros, a escritura será remetida ao Judiciário para a devida análise. Ou seja, esse procedimento, embora extrajudicial em sua essência, mantém o equilíbrio necessário entre celeridade processual e proteção dos direitos dos envolvidos, especialmente daqueles em situação de vulnerabilidade.
“Com a nova norma, desde que haja consenso entre os herdeiros, os procedimentos podem ser realizados diretamente em cartório, o que resulta numa desburocratização significativa”
Ademais, a resolução inova ao permitir que os tabeliães, ao se depararem com dúvidas acerca da validade da escritura pública, possam remeter o caso ao juízo competente. Essa previsão protege a segurança jurídica, bem como direitos patrimoniais e personalíssimos dos envolvidos, evitando que acordos extrajudiciais sejam celebrados sem o devido respaldo legal, o que poderia gerar litígios futuros.
No tocante ao divórcio consensual, a nova norma possibilita que casais com filhos menores ou incapazes recorram à via extrajudicial para dissolver o matrimônio, desde que as questões relativas à guarda, alimentos e convivência familiar sejam previamente resolvidas no Judiciário. Essa tendência de flexibilização do Direito de Família, na qual se busca minimizar os impactos emocionais e financeiros do processo de divórcio, tende a assegurar a proteção dos direitos dos menores e incapazes, e mais uma vez, contribui para desafogar o Judiciário, que hoje se vê sobrecarregado de processos em tramitação.
Mais adiante, a dispensa da autorização judicial para a alienação de bens do espólio introduzida pela nova normativa, também merece análise aprofundada. Antes da alteração, o inventariante necessitava de autorização judicial para a venda de bens do espólio, o que frequentemente resultava em atrasos significativos no processo sucessório.
Com a nova resolução, agora é permitido que essa autorização seja concedida por meio de escritura pública, desde que atendidos os requisitos estabelecidos pela respectiva norma. Mais uma vez, caminha-se na direção da desburocratização, permitindo que os bens sejam alienados de forma mais rápida e eficiente, evitando a depreciação dos ativos e possíveis prejuízos aos herdeiros.
E por fim, outro ponto digno de nota é a inclusão da separação de fato consensual no rol dos procedimentos que podem ser realizados extrajudicialmente. A separação de fato, até então tratada de forma marginal pela legislação, ganha agora um reconhecimento formal e uma via segura para sua concretização. A possibilidade de realizar este procedimento em cartório reconhece que a autonomia das partes deve ser respeitada, desde que não comprometa os direitos de terceiros.
Em conclusão, mesmo diante dessas inovações, é imperativo reconhecer que a resolução não elimina a representação por advogado em alguns procedimentos. A complexidade das questões envolvidas, especialmente em casos de sucessão ou divórcio com menores ou incapazes, demanda a assistência de profissionais capacitados, que possam orientar as partes de forma adequada e garantir que os seus direitos sejam plenamente resguardados.
É fundamental que todos os envolvidos estejam plenamente informados acerca das implicações dessas mudanças, para garantir que a celeridade processual não comprometa a justiça e a equidade dos procedimentos.
Em tempos de constantes mudanças legislativas e normativas, a informação torna-se um instrumento essencial para a cidadania e para a prática jurídica. Manter-se bem informado é essencial para a correta aplicação das normas e para a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos.