A Continuidade da reflexão sobre os incêndios em propriedades rurais, bem como o arcabouço normativo que os rege, assume novas dimensões com a publicação do Decreto Federal nº 12.189/2024, que altera dispositivos do Decreto n. 6.514/2008 (que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações), trazendo inovações relevantes no que tange à prevenção e combate dos incêndios em áreas rurais. O referido decreto configura um marco normativo de extrema relevância, estabelecendo diretrizes mais rígidas e objetivas para a punição dos responsáveis por tais ilícitos.
“É preciso marcar que a criminalização isolada do proprietário e do produtor rural não resolve o problema dos incêndios, sendo a prevenção o caminho mais eficaz”
Porém, é preciso marcar que a criminalização isolada do proprietário e do produtor rural não resolve o problema dos incêndios, sendo a prevenção o caminho mais eficaz.
Ainda sobre o Decreto, como exemplo das inovações trazidas, podemos citar a alteração do §2º do art. 16 do Decreto 6.514/2008, que passou a permitir a aplicação de medida cautelar de embargo de obra, de atividade, ou de área, nos casos que a infração for fora de área de preservação permanente ou reserva legal, mas se tratar de queima não autorizada de vegetação nativa; a inclusão do artigo 16-A, que passou a permitir que o órgão competente embargue área que corresponda a conjunto de polígonos relativos ao mesmo tipo de infração ambiental, podendo essa aplicação ser formalizada em um único termo próprio; inclusão de tipos de infrações administrativas relacionadas a provocar incêndio; alteração quanto ao valor da multa para quem faz uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização do órgão competente ou em desacordo com a obtida, entre outras alterações.
Diante de tantas alterações, torna-se imperioso que os processos administrativos respeitem rigorosamente os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, garantidos pela Constituição Federal de 1988. Esses direitos fundamentais asseguram que o produtor rural tenha a oportunidade de apresentar provas, contestar acusações e evitar a aplicação de sanções injustas, uma vez que a imposição de sanções, sem o devido processo legal, viola não apenas o princípio da presunção de inocência, mas também o direito de propriedade, acarretando perdas econômicas e sociais irreparáveis, especialmente em um setor que emprega milhões de brasileiros e sustenta uma significativa parcela da economia nacional.
É importante ressaltar que muitos desses produtores são, na verdade, vítimas dos incêndios, sofrendo com o avanço descontrolado das chamas, provenientes da ação de terceiros, de áreas vizinhas ou até de regiões distantes, e não podem ser responsabilizados por atos que não cometeram. A aplicação estrita das normas ambientais, sem a devida análise das circunstâncias e da participação individual nos eventos, corre o risco de se transformar em um instrumento de injustiça.
A produção agropecuária e a proteção do meio ambiente são inteiramente compatíveis, desde que as penalidades sejam aplicadas com a devida cautela e direcionadas unicamente aos responsáveis pelos ilícitos. A sobrevivência de milhares de produtores rurais, que sustentam a economia brasileira e a segurança alimentar, depende de uma regulamentação equilibrada e de políticas públicas que assegurem tanto a preservação dos recursos naturais quanto a viabilidade econômica do setor produtivo. Nesse sentido, a implementação das alterações previstas pelo Decreto Federal nº 12.189/2024 deve garantir que apenas os verdadeiros responsáveis sejam penalizados, resguardando-se os direitos fundamentais e a continuidade das atividades lícitas dos produtores rurais.
Por fim, é essencial que o combate aos incêndios criminosos ocorra de forma coordenada entre o poder público e o setor produtivo, sempre respeitando os direitos dos proprietários que agem de forma legítima e são afetados pelos incêndios alheios à sua vontade. O setor agropecuário, um dos pilares da economia nacional, precisa não apenas de proteção contra as chamas, mas também contra a aplicação inadequada das normas ambientais.