Nos últimos tempos, alguns acontecimentos ambientais fomentaram debates, que de maneira recorrente vêm à tona governo após governo, mas que na administração do atual presidente Jair Messias Bolsonaro, devido à forte pressão sob seu governo, especialmente no que diz respeito a questões ambientais, instauraram uma crise de proporções internacionais, que colocaram o país sob os holofotes do mundo todo, o que foi suficiente para iniciar, inclusive, uma relação de animosidade com alguns Estados.
Na esteira dos debates, também veio à tona o tema da Demarcação de Terras Indígenas, que é justamente uma forte marca do presidente Bolsonaro desde sua campanha eleitoral.
Terra Indígena é uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por um ou mais povos indígenas e por ele (s) utilizada para suas atividades produtivas, imprescindível à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e necessária a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Trata-se de um tipo específico de posse, de natureza originária e coletiva, que não se confunde com o conceito civilista de propriedade privada.
O direito dos povos indígenas às terras de ocupação tradicional configura-se como um direito originário, isso quer dizer que o texto Constitucional considera os índios como os primeiros e naturais donos desse território, consequentemente, o procedimento administrativo para demarcação de terras indígenas se reveste de natureza meramente declaratória. Portanto, a terra indígena não seria criada por ato constitutivo, e sim reconhecida a partir de requisitos técnicos e legais, nos termos da Constituição Federal de 1988.
Assim, para que uma terra seja declarada território indígena, os estudos técnicos devem comprovar que essas terras são historicamente ocupadas por índios, levando em consideração características étnicas, históricas, ambientais, cartográficas e fundiárias do território, cabendo destacar, ainda, que a lei determina que as demarcações devem ser feitas “por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência ao índio”, ou seja, pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Recentemente, durante a reunião com governadores da região da Amazônia Legal, o presidente se manteve firme em seu posicionamento contrário a novas demarcações de terras indígenas, afirmando ainda, que determinadas “exigências” internacionais certamente levariam o país à insolvência.
Mais uma vez, em seu discurso perante a ONU, dentre outros assuntos debatidos, o presidente criticou as demarcações indígenas e a grande extensão de áreas já demarcadas como território indígena no Brasil, que chegam à marca de 14% do território nacional, enquanto apenas 8% das terras do país são utilizadas para a agricultura, sustentando, ainda, que jamais aumentaria para 20% as terras indígenas como alguns chefes de Estado gostariam.
Cabe destacar, também, que o Governo Federal, por meio de uma Medida Provisória, tentou repassar a demarcação dessas terras ao Ministério da Agricultura. No entanto, tal medida foi derrubada pelo STF, oportunidade em que, como resposta às críticas recebidas, o presidente ressaltou que de qualquer forma, em seu governo não seria feito nenhum novo decreto de homologação de área indígena.
Ressalta-se que, independentemente do posicionamento do atual governo, esse assunto há muitos anos já ocasiona acaloradas discussões dentro e fora do governo, principalmente com severas críticas pela responsabilidade da Funai na demarcação de terras, que por se tratar de entidade da administração indireta, com personalidade jurídica própria e sem subordinação hierárquica, absurdamente funciona como os três poderes, uma vez que representa o índio, realiza a demarcação de terras e julga os processos e defesas realizadas, o que sem sombra de dúvidas viola além da repartição dos poderes, também a imparcialidade.
Atualmente, aguarda-se o julgamento de mais uma problemática também muito questionada quando se trata de demarcação de terras indígenas, que é a definição de seu marco temporal, já que segundo alguns entendimentos, inclusive o presidencial, com a sua promulgação, a Constituição Brasileira estabeleceu que os territórios indígenas fossem demarcados no prazo de até 5 anos, considerando as áreas tradicionalmente já ocupadas pelos índios.
Devido a mais essa controvérsia, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) foi ao Supremo Tribunal Federal (STF), por intermédio do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.017.365/SC, defender o marco temporal de 5 de outubro de 1988 para as demarcações de terras indígenas. Referido recurso, de relatoria do ministro Edson Fachin, terá efeito vinculante quanto à data do marco temporal, e ainda não há data definida para a sua análise em plenário.
Diante de todo esse cenário narrado, verifica-se que o presente instituto, desde a promulgação da Carta Constitucional em 1988, sempre foi marcado por muitos conflitos de interesses e controvérsias quanto à interpretação mais acertada do fiel objetivo legal, e como dito em linhas pretéritas, as críticas iniciam na competência ditatorial da FUNAI no procedimento de demarcação, passam pela enorme extensão de área já demarcada para aproximadamente 500 mil indígenas, e finalizam na incerteza quanto ao marco temporal para a realização das demarcações.
O fato é que toda essa problemática foi responsável pela formação de uma verdadeira muralha divisória entre a insuficiência legal regulamentária do tema e fatos como: procedimentos não finalizados e paralisados em diferentes fases do processo demarcatório, movimentos indígenas eclodindo por todo o país, proprietários rurais e produtores que foram surpreendidos pela afetação de suas terras, e um país que luta para trilhar no caminho da evolução, mas que assiste ao engessamento de seu setor econômico mais importante que é a agricultura.
Não é demais lembrar que, embora movimentos indígenas atualmente reivindiquem seus direitos por todo o país, despertados pelo posicionamento bem definido do atual governo quanto às demarcações, além dos indígenas, os proprietários rurais há muitos anos vêm sofrendo com o procedimento demarcatório. Existem inúmeros relatos de arbitrariedades por todo o país praticadas pela Funai, que, se utilizando de laudos antropológicos de origem duvidosa e procedimentos unilaterais, surpreendem o proprietário rural devidamente assentado na terra, que tem apenas poucos dias para apresentação de sua defesa administrativa que, pasmem, sera julgada pelo próprio Órgão demarcador, gerando patente insegurança jurídica em afronta ao direito de propriedade.
Por fim, diante do histórico apresentado, conclui-se que se mostra imprescindível a regulação legislativa do procedimento demarcatório, uma vez que muito embora o direito indígena esteja previsto em nossa Carta Constitucional, não se pode fazer com que apenas alguns paguem a conta social, histórica e sociológica de milhões de brasileiros, que são simplesmente surpreendidos e arrancados de suas áreas, fomentando a judicialização de demandas que tramitam por muitas décadas em nosso Poder Judiciário, obstaculizando um dos nossos mais importantes setores da economia, que é o agronegócio.
Fonte: rdnews.com.br
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