Danos ambientais e imprescritibilidade

Na sexta, dia 17 de abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento do Recurso Extraordinário nº 654.833, com repercussão geral, da qual resultou a tese: “é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. O processo se refere a um fato ocorrido entre os anos de 1981 e 1985, ou seja, há quase 40 anos, decorrente da extração ilegal de madeira na comunidade indígena Ashaninka-Kampa.

A tese estabelecida pelo STF mostra-se descabida e faz-se imprescindível um perscruto mais atento ao que apresenta o órgão no caso em comento. O primeiro ponto é o que diz respeito à repercussão geral. Trata-se de um instituto processual por intermédio do qual, quando o STF julga recursos extraordinários que contenham questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico; a decisão ultrapassa os interesses da causa específica e passa a vigorar para outros casos.

“Outra questão, a mais grave delas, é a instauração da imprescritibilidade do dever de reparar os danos ambientais. Está-se diante de uma punição perpétua e uma expectativa de cobrança que não se afasta em nenhum momento”

Outra questão, a mais grave delas, é a instauração da imprescritibilidade do dever de reparar os danos ambientais. Está-se diante de uma punição perpétua e uma expectativa de cobrança que não se afasta em nenhum momento.

É preciso ponderar o quão desmedida é essa deliberação, comparando, por exemplo, com a prescrição da pretensão punitiva do crime de homicídio, previsto no “caput” ou no § 2º do artigo 121 do Código Penal. De acordo com o artigo que trata da prescrição da pena em abstrato, artigo 109 do Código Penal, no caso hipotético de condenação pelo crime de homicídio, e desconsiderando qualquer incidência de minoração, o prazo prescricional seria de vinte anos. Ou seja, uma verdadeira inversão de valores.

Nos casos em que a Carta Magna estabelece a imprescritibilidade, ela o faz de maneira expressa, como nos casos de racismo e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem Constitucional e o Estado Democrático. Não se pode presumir uma exceção, isso seria (e, no caso em estudo, é) uma arbitrariedade e uma contradição. Imagine um mundo jurídico em que normas de caráter de exceção comecem a ser criadas sem previsão constitucional, isso faria com que as leis existentes perdessem a razão de existir, já que novos regramentos poderiam ser criados a esmo, sem nenhum rigor.

Tem-se um extremismo. Que o meio ambiente merece ser preservado, isso não se discute, mas não cabe polarização. A Constituição Federal de 1988 dedicou o artigo 225 à preservação, instituindo sanções administrativa, civil e penal, chamando à respectiva responsabilidade tanto pessoas físicas quanto jurídicas. Nesse sentido, as responsabilidades de cada pessoa (física ou jurídica) são independentes.

  Há que se ressaltar ainda, que o meio-ambiente não carece de leis para regulamentar seu uso ou assegurar sua proteção. A Lei nº 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais), expressa claramente as condutas e as sanções penais e administrativas correlatas.

É essencial rememorar, que o processo para a criação de uma Lei inclui discussões realizadas por representantes populares, e o devido cumprimento do que é vinculado pelas normas garante razoabilidade, com penas proporcionais, e segurança jurídica.

“A banalização do que é imprescritível abre precedentes perigosos pelo estremecimento dos pilares jurídicos, pela derrogação de direitos e pela invasão de âmbitos de outro Poder”

Pode-se esperar um salto no número de ações buscando reparação civil de danos ambientais, referindo-se a fatos pregressos, ocorridos há décadas e décadas de lapso temporal em relação ao momento presente. Deve-se trazer à tona que, em fatos acontecidos há tanto tempo, a imprescritibilidade pode acarretar, inclusive, a dificuldade de defesa, uma vez que qualquer dano ambiental poderá ser razão de ação pela reparação civil por prazo indeterminado, indefinidamente.

A banalização do que é imprescritível abre precedentes perigosos pelo estremecimento dos pilares jurídicos, pela derrogação de direitos e pela invasão de âmbitos de outro Poder. A matéria é muito abrangente e já regulamentada, tornando temorosa essa atuação do STF.

Por fim, além do já exposto, apenas a título de observação, é necessário ressaltar que os fatos versados no citado processo não se submetem à sistemática jurídica vigente, tendo em vista que aconteceram antes da promulgação da Constituição de 1988.

É imprescindível proteger o meio ambiente, mas isso deve acontecer de maneira justa, preservados os direitos de todos e dentro da legislação vigorante.

Fonte: rdnews.com.br