Impactos do novo protocolo para compra de gado pelos frigoríficos

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Mato Grosso é o maior produtor de gado do Brasil. Igualmente, o Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea) noticiou recentemente que, no ano de 2019, foram abatidos 5,27 milhões de animais no Estado, crescimento de 6% sobre a quantidade registrada no ano anterior. Está-se diante de uma franca vocação para atividade agropecuária.

Nesse sentido, com a intenção de unificar as regras de verificação das compras e implantação de boas práticas na cadeia de fornecedores de gado aos frigoríficos, o Ministério Público Federal (MPF), em conjunto com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Frigoríficos, desenvolveu o Protocolo Unificado de Monitoramento de Fornecedores de Gado da Amazônia, em vigor desde o dia 1º de julho do corrente ano.

A normativa instituída, dá continuidade ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) “da Carne Legal”, firmado entre o Ministério Público Federal e frigoríficos que operam no estados da Amazônia Legal, onde, entre outros requisitos, elenca que os frigoríficos deverão comprar apenas gado de propriedades rurais devidamente regulares. Entre as diretrizes válidas para toda a Amazônia Legal, a propriedade de onde será oriundo o gado a ser comprado deverá estar livre de desmatamento ilegal; livre de trabalho escravo; de conflitos agrários e sem sobreposições a terras indígenas.

“Entre as diretrizes válidas para toda a Amazônia Legal, a propriedade de onde será oriundo o gado a ser comprado deverá estar livre de desmatamento ilegal; livre de trabalho escravo; de conflitos agrários e sem sobreposições a terras indígenas”

A princípio, trata-se de uma medida que beira à obviedade. É evidente que ninguém gostaria de fazer negócios ou comprar produtos de terras onde se tem trabalho escravo, por exemplo. O que é preciso destacar, entretanto, é a maneira como o hiper-regramento e a desmedida burocratização vem prejudicando o produtor rural de maneira recorrente.

Os processos de regularização fundiária no Brasil, não raras vezes são arrastados por anos, manejados por instituições insuficientes para o desejável atendimento das demandas. A maior parte dos casos acaba precisando ser judicializada pela impossibilidade da resolução apenas no âmbito administrativo. Ou seja, o produtor pode enfrentar lides sobre sua propriedade e ficar impedido de trabalhar nela por longos períodos, mesmo que posteriormente seja julgado como regular.

Outra questão que vem acarretando transtornos, já comentados nesta coluna, é o caso dos estudos sobre as supostas sobreposições em terras indígenas. O simples fato de se levantar a hipótese de que a propriedade esteja em território indígena impede, por força legislativa, que o proprietário continue os trabalhos até que se comprove, ou não, a situação questionada. Todavia, ele permanece pagando todo o custo gerado pela propriedade e é, inclusive, responsável por qualquer incidente que lá ocorrer. Assim, nada pode colher ou vender de lá, mas continua custeando o incerto.

O cenário como proposto chama a atenção para a grande responsabilidade dos órgãos fiscalizadores, uma vez que qualquer equívoco na autuação resultará no impedimento da continuidade das atividades, gerando prejuízos incalculáveis para os produtores de gado no período de uma defesa, seja administrativa ou judicial. Assim, mesmo que em um momento futuro, se comprove que os frigoríficos e produtores estavam trabalhando dentro da legalidade, o tempo perdido e os prejuízos sofridos não poderão ser recuperados.

É urgente parar de tratar o produtor rural como vilão e atribuir a ele a realização do pagamento de contas que ele não fez. A agropecuária mato-grossense é uma das grandes apostas de retomada da economia pós-pandemia, dado o seu enorme potencial e resultados já apresentados.

A redução dos impactos ambientais e sociais é um louvável objetivo. Mas usar esse discurso como fundamento fácil para tomar medidas arbitrárias para o atravancamento das atividades laborais, fonte de sustento familiar é temoroso. É preciso relevar, ainda nessa seara, que, conforme pesquisa veiculada pelo Imea, 86.471 propriedades rurais em Mato Grosso têm entre 1 e 250 cabeças de gado. São rebanhos pequenos e a impossibilidade de vender o pouco que se produz, sem ter nada comprovadamente irregular, beira à violência. Isso também gera um impacto social bastante negativo.

São notáveis os crescentes esforços e preocupações com responsabilidade social e ambiental pelos empreendedores e diversos setores econômicos nacionais. É sabido que o mercado tem se tornado exigente nesse aspecto, e é preciso pensar essas políticas de maneira mais integrada, de modo a viabilizar o exercício agropecuário; em vez de a cada vez que se criar um mecanismo, dificultar a vida do trabalhador. Nada justifica a constante insegurança jurídica com a qual tem que conviver diariamente quem trabalha com a terra neste país.

Fonte: rdnews.com.br