Checar antes de comprar

Em um país continental como o nosso, muitos brasileiros buscam adquirir uma propriedade rural para viver e trabalhar. Todavia, não são raros os relatos daqueles que sempre sonharam em pôr em prática esse plano e, ao conseguirem, descobrem-se em um pesadelo burocrático, perpassado por inúmeras impossibilidades de exercer efetivamente o seu direito de propriedade, tendo em vista irregularidades apresentadas no local.

A legislação ambiental brasileira é uma das mais rígidas do planeta. Rigidez essa que envolve, por exemplo, a obrigatoriedade de os produtores rurais manterem em suas propriedades áreas com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, que varia de 20% a 80% de suas propriedades rurais a depender do bioma e região onde a propriedade estiver localizada. É ainda preciso preservar áreas de proteção ambiental como margens de rio, as chamadas matas ciliares, as nascentes e topos de morro.

É importante sublinhar também que, por força de lei, danos ao meio ambiente devem ser reparados independentemente de quem foi a culpa, de modo que é suficiente a demonstração de nexo causal entre a atividade e a degradação à natureza para que o dever de indenizar se caracterize. O mero fato de exercer uma atividade que a lei considere potencialmente poluidora já coloca sobre o empreendedor a responsabilidade de reparar eventuais danos ambientais.

“Muitas das demandas judicias que inviabilizam a vida do produtor se originaram em aquisições realizadas sem os devidos levantamentos técnicos”

Como descrito, resta inequívoca a necessidade de realizar um estudo ambiental e fundiário completo antes de se fazer a aquisição de uma propriedade rural. Muitas das demandas judicias que inviabilizam a vida do produtor se originaram em aquisições realizadas sem os devidos levantamentos técnicos, análise correta de documentos necessários e sem o devido amparo de um profissional com expertise na área fundiária, ambiental e de contratos. É dito popular: o combinado não sai caro, ou, quem compra errado e assim o paga, pagará duas, três, inúmeras vezes e ainda corre o risco de jamais ser dono.

Além de diversas certidões negativas, um contrato de compra e venda que dê o devido respaldo ao produtor rural deve vir acompanhado de vários documentos, como, por exemplo, documentos pessoais do vendedor e do comprador, planta e memorial descritivo do imóvel assinados por profissional competente com o devido recolhimento de anotação de responsabilidade técnica (ART), certidão atualizada da matrícula do imóvel, certidão dominial até a origem (que ateste o regular destaque do patrimônio público para o privado), certidão de ônus e gravames, certidão de regularidade fiscal do imóvel, Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR),  comprovantes de pagamento do ITR, certidão negativa de débitos do Ibama, dentre outros.

Também faz-se importante ressaltar, quanto a imprescindibilidade do estudo cadastral e de localização do título primitivo emitido pelo poder público, pois, é comum identificarmos sobreposições e/ou deslocamentos de títulos, bem como, materializações deslocadas desses títulos, que ocorrem quando a parte ocupa o documento em lugar diferente de onde deveria ser.

Assim, mesmo que o georreferenciamento seja mais um requisito complexo e oneroso, a coleta desse tipo de dados geoespaciais de imóveis rurais é indispensável para conferir segurança aos registros e evitar conflitos fundiários relativos à sobreposição de propriedades.

Deve-se, paralelamente, verificar o Cadastro Ambiental Rural – CAR e possíveis embargos que acompanham o imóvel a fim de evitar desagradáveis surpresas futuras em relação a, por exemplo, a quantidade de reserva legal que deve ser mantida no imóvel. A inscrição no CAR é obrigatória para todos os imóveis rurais do país, configura-se o primeiro passo para a regularização ambiental e dá acesso a benefícios previstos no Código Florestal (Lei nº 12.651/2012).

Todavia, vale declarar que o recibo de inscrição no CAR não substitui ou funciona como licença ou autorização ambiental para exploração florestal ou supressão de vegetação. Continuam a ser exigidas as autorizações cabíveis para o exercício da atividade econômica no imóvel.

Como elucidado de forma bem resumida até o presente momento, fácil é de se perceber a complexidade e a grande quantidade de documentos que devem ser requeridos e analisados antes de se adquirir uma propriedade rural. Embora pareça uma sugestão banal, se fosse atendida devidamente, muitos transtornos seriam evitados na vida daqueles que almejam adquirir uma propriedade rural para gerar seu sustento e de sua família.

A ocupação de terras públicas ou privadas sem a regularização adequada, somada o desmantelo e a morosidade do Estado é um obstáculo à segurança jurídica, ao cumprimento da função social da propriedade, ao exercício da cidadania, ao alcance da paz social e, muitas vezes, ao sono dos justos.

Fonte: rdnews.com.br