O produtor rural brasileiro não tem mesmo um dia de paz! A insegurança jurídica gerada pelas constantes mudanças legislativas não traz a solidez, a paz que o produtor precisa para fazer aquilo que magistralmente ele faz: trabalhar, produzir, gerar riqueza, renda, empregos e alimento.
Quando se tem uma decisão que poderia trazer um pouco mais de justiça, como o preconizado no despacho subscrito pelo Presidente do Ibama, documento publicado no Diário Oficial da União na data de 14/07/2022, que aprova o PARECER n. 00004/2020/GABIN/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU, elaborado para fundamentar a revisão da Orientação Jurídica Normativa – OJN nº 26/2011/PFE/IBAMA, considerando o entendimento da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 1.318.051, no qual restou assentado o caráter subjetivo da responsabilidade administrativa ambiental mediante comprovação de dolo ou culpa; ele começa a ser questionado pelos contraproducentes, que, conforme já manifestamos, possuem razões “nada republicanas” para questionar a produção mais sustentável do planeta, a brasileira.
A medida mencionada trata da responsabilidade administrativa ambiental, considerada então subjetiva, a demandar a existência de dolo ou culpa do agente para a caracterização de infração ambiental.
Cabe, pois, diferenciar, de maneira bem resumida, responsabilidade civil objetiva de subjetiva. No primeiro caso, para que o suposto infrator seja “responsabilizado” no âmbito civil, basta apenas a ocorrência do dano, independentemente de culpa. Já na responsabilidade civil subjetiva, é necessário ter havido dolo ou culpa do agente infrator.
Assevera-se que a ORIENTAÇÃO JURÍDICA NORMATIVA N. 26/2011/PFE/IBAMA é uma verdadeira aula, não só de direito ambiental, como, também, de direito processual, trazendo um pouco mais de segurança jurídica para os produtores, bem como aos trabalhadores rurais no que se concerne a suas atividades precípuas.
De forma inicial a orientação elenca, por ser matéria deveras tormentosa, que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça não possui entendimento estabilizado quanto à dispensabilidade da configuração de dolo ou culpa para a responsabilidade administrativa ambiental (não estamos aqui nos manifestando quanto à reparação do dano, mas, sim, da responsabilidade administrativa da conduta).
Para ratificar o entendimento exarado, a orientação jurídica traz que “a tese da identidade entre responsabilidade ambiental civil e administrativa, considerando esta objetiva, encontrou amparo inicialmente no REsp 467.212/RJ (2003), contudo, essa compreensão veio a ser desafiada no REsp 1.251.697/PR (2012), mas voltou a ser reafirmada no REsp 1.318.051/RJ (2015) pela Primeira Turma, que três meses depois mudou novamente o entendimento e reconheceu a necessidade de culpa ou dolo para caracterizar a infração administrativa ambiental (AgRG no AREsp 62.584/RJ). Posteriormente houve estabilização desse entendimento pela necessidade do elemento subjetivo para a responsabilização administrativa ambiental, como se constata do REsp 1.401.500/PR (2016), REsp 1.640.243/SC (2017), AgInt no REsp 1.712.989 (2018), REsp 1.708.260/SP (2018), AgInt no REsp 1.263.957/PR (2018), AgInt no AREsp 826.046 (2018), AgInt no REsp 1.263.957 (2018), AgInt no REsp 1.828.167/PR (2019), REsp 1.805.023 (2019).”
Destaca-se que em um acórdão relatado pelo Mauro Campbell Marques, este fundamentou seu voto pelo provimento dos embargos de divergência na jurisprudência do STJ ao referir que “ocorre que a jurisprudência desta Corte, em casos análogos, assentou que a responsabilidade administrativa ambiental é de natureza subjetiva.”
Para tentar pacificar o tema, o ministro Herman Benjamin, em voto-vista, acompanhou o Ministro Relator, contudo trazendo a diferenciação acima elencada por nós, quanto às responsabilidades civis e administrativas de cunho ambiental. Vejamos o trecho: “a responsabilidade administrativa por dano ambiental é de natureza subjetiva, conforme consignado no aresto paradigma. Como destacado pelo e. Relator, a imposição de penalidade administrativa por infração ao meio ambiente rege-se pela teoria da responsabilidade subjetiva. A disposição do art.14, §1º, da lei 6.938/1981 de que a indenização ou reparação dos danos ambientais não afasta a aplicação de sanções administrativas significa apenas que a indenização ou reparação do dano prescindem da culpa, e não que as sanções administrativas dispensam tal elemento subjetivo. Não há confundir o direito administrativo com a responsabilidade civil ambiental, chegando-se ao ponto de atribuir responsabilidade do autuado por fato de terceiro.”.
Como paradigma sobreveio a ementa que assentou: “conforme assentado pela Segunda Turma no julgamento do REsp 1.251.697/PR, de minha relatoria, DJe de 17/4/2012), “a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano”.
Pelo exposto, não pairam dúvidas que para a aplicação de penalidade administrativa precisa existir culpabilidade do agente, sendo indispensável que sua conduta tenha como intuito o cometimento do dano, deve existir o chamado liame, nexo causal.
Agindo assim, com a responsabilidade subjetiva, respeita-se o princípio da intranscendência das penas, também denominado de princípio da pessoalidade ou personalidade, que assegura que somente a pessoa sentenciada terá que responder pelo crime que praticou, consoante o que prevê a Constituição Federal no inciso XLV, do artigo 5º: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.”.
Nessa esteira, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já entendeu, na Apelação Cível 1006362-85.2019.8.26.0664 – 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, que a aplicação de penalidades administrativas “deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano”.
Desse modo, na hipótese de aplicação de auto de infração ambiental, é necessária a configuração do elemento subjetivo e do nexo causal entre a conduta e o dano, de outra maneira, fica evidenciado o vício de motivação, razão que pautaria a nulidade do ato.
Importante ressaltar que a defesa do meio ambiente se norteia por um tripé de feitos preventivos; reparatórios e repressivos. Assim, o legislador lançou mão de instrumentos para cada caso. Isso não significa que esteja correto aplicar sanções sem mais nem menos, sem estudar detalhadamente cada situação. E mais uma vez, imprescindível destacar que a legislação ambiental não existe para inviabilizar que se trabalhe ou que se produza, mas deve proteger a natureza, ao passo que permite o desenvolvimento sustentável das atividades necessárias à sobrevivência humana.
Dessa feita, para fins de responsabilidade administrativa não se pode prescindir de um comportamento ilícito, comissivo ou omissivo, do agente (Art. 70, caput, da Lei 9.605/1998), praticado pessoalmente ou por meio de seus respectivos prepostos.
Portanto, segurem as canetas aqueles fiscais rasos de casos quaisquer! O dano ambiental, isoladamente, não é gerador de responsabilidade administrativa; para que seja gerador de responsabilidade administrativa, o dano precisa ser verificado como o resultado descrito em um tipo infracional ou o provocado por um comportamento omissivo ou comissivo violador de regras jurídicas, dentro de padrões legais estabelecidos em norma técnico-jurídica.
“Com menos entraves seremos, sem menores dúvidas, o verdadeiro celeiro do mundo que preserva e produz como em mais nenhum outro local do globo terrestre”
Assim, à luz dos direitos e garantias individuais do regime vigente, não se pode imputar infração administrativa sem analisar a culpa ou dolo do infrator. Se fosse desse modo, teríamos uma legislação estruturada no arbítrio, por um direito surdo, meramente punitivo, que não analisa os fatos em completude, tampouco abre a possibilidade do contraditório e da ampla defesa. Não há que se sustentar um poder autoritário que sancione a torto e a direito, desprezando a subjetividade da conduta.
É cediço que a culpabilidade de um autor de infração ambiental será o elemento de gradação da sua respectiva responsabilidade, uma vez que deverá restar comprovada que a ação antijurídica é fruto de culpa, aduzindo à dupla voluntariedade e culpa lato sensu.
Na mesma perspectiva, não se pode comutar com um Estado de natureza persecutória, que se recusa a avaliar caso a caso onde cabe ou não cabe a responsabilização e as penalidades correlatas. A performance da administração pública deve ser orientada pela eficiência que não se fundamenta em presunções, mas se guia por certezas. Fato que impedirá que inocentes paguem por danos que lhes são peculiares.
É necessário uma convivência mais harmoniosa entre os conceitos de produzir e preservar, como é o que defendemos em todas as nossas falas. A transparência e a eficiência dos processos ambientais são urgentes, pois se trata de matérias que vão para além do patrimônio individual, estamos lidando com uma atividade que impacta a vida de todos.
Que os fatos sejam descritos com precisão e verificados em detalhes, bem como as circunstâncias que os envolvem; para que trabalhadores inocentes não sejam restringidos de seu exercício de sobreviver ou tenham violado o seu direito de defesa. Não podemos considerar culpadas as pessoas antes mesmo de terem avaliado o caso, pois se permitimos esse tipo de atitude, nunca poderemos controlar se a próxima vítima não seremos nós mesmos.
Por fim, registra-se que, jamais e em tempo algum, está se manifestando para que não se tenha a responsabilidade do agente que causou o efetivo dano, ao contrário, é o que se requer! E parabenizamos o Presidente do IBAMA quanto a isso, pela busca da autuação de forma correta, com justiça.
Torcemos para que o próximo passo seja a celeridade na análise dos processos administrativos de licenciamento de atividades, do cadastro ambiental rural, das autorizações de funcionamento, de produção. Com menos entraves seremos, sem menores dúvidas, o verdadeiro celeiro do mundo que preserva e produz como em mais nenhum outro local do globo terrestre.
Parabéns produtor rural brasileiro por isso!!!
Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com
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