Conforme mencionamos na semana passada, o Governo de Mato Grosso promulgou o Decreto n.º 1436/2022, que dispõe sobre o processo administrativo estadual de apuração das infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, bem como regulamenta o Programa de Conversão de Multas Ambientais e dá outras providências. O mencionado Decreto trouxe possibilidades importantes de resolução de conflitos, como a mediação e a previsão de descontos sobre infrações ambientais, regulamentando o artigo 127 da Lei Complementar nº 38 quanto ao Programa de Conversão de Multas Ambientais.
Assim, conforme alinhado com o amigo leitor na semana passada, nesta semana abordaremos o capítulo V do Decreto n.º 1436/2022, que trata do Programa de Conversão de Multas em Serviços de Preservação, Melhoria e Recuperação da Qualidade do Meio Ambiente.
Tal medida (Programa de Conversão de Multas em Serviços de Preservação, Melhoria e Recuperação da Qualidade do Meio Ambiente) representa um avanço muito significativo que caminha para instrumentalizar a Administração Pública no sentido de efetivar a correção dos danos ambientais, mudando a concepção que vigorou por muito tempo em Mato Grosso que aparentemente visava apenas arrecadar valores aos cofres públicos. Nota-se que o foco agora é melhorar, recuperar, aprimorar. A mudança é significativa!
Deve-se ressaltar que a possibilidade desses descontos em autuações e conversões de multas se aplica aos processos administrativos oriundos de autos de infração lavrados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente – Sema/MT, até o trânsito em julgado do processo administrativo, excetuando aquelas advindas de processos em que decorreram mortes humanas, caso que deverá ser avaliado de outra maneira.
Dentre diversos objetivos, o Programa de Conversão de Multas em Serviços de Preservação, Melhoria e Recuperação da Qualidade do Meio Ambiente, conforme art. 63 do Decreto n.º 1436/2022, busca garantir a recuperação de áreas degradadas para conservação da biodiversidade e melhoria da qualidade do meio ambiente, proteger fauna e flora, trabalhar o aspecto da prevenção ao dano por meio de projetos de educação ambiental, promover a regularização fundiária de unidades de conservação, além de auxiliar a gestão, monitoramento e proteção de unidades de conservação
É preciso salientar que as unidades de conservação são áreas territoriais, incluindo seus recursos ambientais, com características naturais relevantes, criadas e protegidas pelo Poder Público com objetivos de conservação, ou seja, o Decreto n.º 1436/2022 prevê obrigações para a própria Administração Pública, algo muito louvável.
De outro norte, não poderão ser beneficiados com o Programa de Conversão de Multas em Serviços de Preservação, Melhoria e Recuperação da Qualidade do Meio Ambiente os casos nos quais não se caracterize dano direto ao meio ambiente e quando a recuperação da área degradada possa ser realizada pela simples regeneração natural, sem necessidade de intervenção antrópica, humana.
Para a consecução efetiva do Programa, deve ser realizado pelo proprietário rural diretamente ou por seu representante legal, conforme entabulado no art. 66 do Decreto n.º 1436/2022, o requerimento da conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente para: I – Núcleo de Conciliação Ambiental, por ocasião da manifestação de interesse quando da ciência da autuação; II – autoridade julgadora, até a decisão de primeira instância; ou III – Presidentes do Conselho Estadual do Meio Ambiente e Conselho Estadual de Recursos Hídricos, até a decisão de segunda instância.
Destaca-se que ao pleitear a conversão da sanção de multa, o autuado deverá optar: I – pela implementação, por seus meios, de serviço de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente; ou II – pela adesão a projeto indicado pelo órgão estadual emissor da multa, conforme previsto no art. 67 do Decreto n.º 1436/2022.
No que se refere à variação no desconto no pagamento da autuação, o Decreto n.º 1436/2022 trouxe (art. 68) diversas situações, dependendo da fase em que se encontra o processo administrativo: I – 60% (sessenta por cento) quando o requerimento for apresentado por ocasião da manifestação de interesse; II – 50% (cinquenta por cento) quando o requerimento for apresentado até a emissão da decisão de primeira instância; e III – 40% (quarenta por cento) quando o requerimento for apresentado até a emissão da decisão de segunda instância.
Como exposto, quanto antes o interessado iniciar o requerimento, maior será a possibilidade de descontos. O que nos rememora da máxima: “o direito não socorre aos que dormem.”.
Vale destacar ainda que nos casos em que o objeto de conversão configurar conduta de menor potencial ofensivo, ou seja, aquelas que não configuram crime ambiental ou se enquadrem no art. 61 da Lei Federal nº 9.099/1995 (contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa), os descontos podem ser ainda maiores: I – 90% (noventa por cento) quando o requerimento for apresentado por ocasião da manifestação de interesse; II – 80% (oitenta por cento) quando o requerimento for apresentado até a emissão da decisão de primeira instância; e III – 70% (setenta por cento) quando o requerimento for apresentado até a emissão da decisão de segunda instância. Da mesma forma que no caso anterior: quanto antes, melhor!
Importa mencionar ainda que existe oportunidade para parcelamento dos valores em até 36 (trinta e seis) vezes mensais e sucessivas, desde que a parcela não seja inferior a 25 (vinte e cinco) UPF/MT vigente na assinatura do termo de compromisso.
Nesse viés, ao ser firmado o acordo para a conversão de multas, será gerado um termo de compromisso em que constarão detalhes do caso concreto, este contendo informações que serão publicadas no Diário Oficial do Estado. Insta sublinhar que o inadimplemento do termo de compromisso implica sanções na esfera administrativa e civil.
Não se pode olvidar que a conversão de multa representa muitas vantagens, tanto para o autuado como para a Administração Pública. Trata-se de um instrumento de reparação entre as partes, viabilizando o diálogo em situações conflituosas.
De mais a mais, o acordo entre o órgão ambiental e o infrator para a reparação integral dos danos ambientais, sem a obrigatoriedade de recorrer ao Poder Judiciário, economiza tempo e recursos, ao passo de engajar o autuado na causa ambiental, algo que deve ser sempre o norte, até mesmo porque o intuito principal é a correção do dano ambiental, não a arrecadação pura e simples.
Espera-se que os resultados sejam a compatibilização do desenvolvimento econômico e social com a preservação ambiental; somar esforços de implementação das políticas públicas ambientais de forma coordenada e sinérgica em consonância com a necessidade nacional de produção, garantindo mais celeridade e transparência aos processos, sempre balizados na segurança jurídica.
Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com
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