O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou, no dia 6 de dezembro de 2022, uma nova ferramenta de gestão de bens judicializados. Trata-se do Sistema Nacional de Gestão de Bens (SNGB), que visa fazer o rastreamento ponta a ponta de bens com restrição judicial no curso de processos judiciais.
A ferramenta faz parte do Programa Justiça 4.0, que buscará atuar nos eixos de inovação e tecnologia, prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro e recuperação de ativos, gestão de informação e políticas judiciárias e fortalecimento de capacidades institucionais do CNJ.
Segundo informações disponíveis no site do próprio CNJ, o “Programa Justiça 4.0 – Inovação e Efetividade na Realização da Justiça para Todos” é desenvolvido em parceria entre o CNJ, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e o Conselho da Justiça Federal – CJF, com apoio do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, Superior Tribunal de Justiça – STJ, e Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT.
A ideia é que essa nova possiblidade traga também mais celeridade aos processos, consolidando as informações sobre os bens apreendidos com emissão de relatórios estatísticos sobre os processos no âmbito de uma unidade judiciária, tribunal e em todo o Poder Judiciário, o que irá contribuir com o aprimoramento de uma política de gestão desses bens, desde o momento da apreensão até a destinação final, inclusive com o intuito de evitar extravios, depreciação ou perecimento de bens.
Nesse sentido, busca-se atuar na solução de um dos principais gargalos processuais quando do momento da execução, o martírio que pode ser a fase de execução ou cumprimento de sentença, especialmente quando envolve o pagamento de dívidas, face a dificuldade de localizar bens e ativos do executado, devedor.
Todavia, ainda existem muitas lacunas e incertezas sobre o novo instrumento. A principal delas é que até a data da redação do presente texto, 12/12/2022, ainda está pendente a emissão de uma normativa oficial que regulamente a forma de uso dessa nova ferramenta. Sem isso, a transparência e a publicidade sobre a forma como ela serão utilizadas não estão evidenciadas, tampouco se sabe como deve ser operado no campo prático o Sistema Nacional de Gestão de Bens, como será o comando para a busca dos bens, ou seja, ainda não há garantias de que esse sistema respeita a previsão legal, limites e sigilos, conforme imposto pela Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, e na Constituição Federal.
Outro ponto crucial é sobre quem vai poder usar o Sistema Nacional de Gestão de Bens, bem como a forma de controle que será adotada. Ainda é preciso saber também como serão inseridas as informações e quem será responsabilizado quando forem inseridas informações equivocadas, que em vez de auxiliar a fase de execução, cause prejuízos a terceiros, e atrapalhe ainda mais o processo, trazendo morosidade para algo que, como regra no caso de devedores contumazes, já é um verdadeiro martírio ao exequente.
“Somos a favor da modernização, da desburocratização e da tecnologia, mas, sobretudo, somos guardiões da legalidade, incansáveis buscadores da justiça e seguiremos observando e questionando a inserção de novos sistemas”
Não se pode olvidar que ainda não há a indicação do acesso de advogados ao programa. É preciso ressaltar que uma das adversidades mais marcantes da advocacia é a procura de bens e valores de devedores para quitar dívidas.
Outrossim, é preciso ponderar sobre a imprescindibilidade de treinamento e capacitação para utilizar os dados contidos no programa. Ademais, é preciso que se garanta a funcionalidade, já que erros na plataforma podem gerar transtornos muito grandes.
Nesse âmbito, insta destacar que esses procedimentos visam garantir o cumprimento de uma obrigação, mas é fundamental que haja regulamentação em ordenamentos de garantia de direitos, respeito ao contraditório e ampla defesa, não podendo ir de encontro com o previsto na Constituição e em normas infraconstitucionais.
Portanto, não se pode abrir mão de uma normativa legal que regulamente o novo sistema para efeitos de certeza, exigibilidade, liquidez dos documentos que representam a existência da obrigação. Tal necessidade é ainda mais premente quando levado em conta o contexto de crise econômica nacional, bem como a quantidade de processos de execuções.
Somos a favor da modernização, da desburocratização e da tecnologia, mas, sobretudo, somos guardiões da legalidade, incansáveis buscadores da justiça e seguiremos observando e questionando a inserção de novos sistemas e alterações não fundamentadas em legislação específica.
Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com
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