No último dia 07/12/2022, o governador Mauro Mendes encaminhou à Assembleia Legislativa um Projeto de Emenda Constitucional que altera e acrescenta dispositivos ao artigo 263 da Constituição do Estado de Mato Grosso, dispositivo que versa sobre os recursos naturais e o meio ambiente.
O artigo 263 da Constituição do Estado de Mato Grosso se espelha no artigo 225 da Constituição Federal, no qual aquele entabula que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Estado, aos Municípios e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
A emenda, caso aprovada com a redação original, condiciona a criação de novas unidades de conservação de domínio público, quando incluir propriedades privadas, a alguns requisitos, como a regularização de 80 % das Unidades existentes. O que é bastante razoável, uma vez que, a mera criação de novas Unidades de conservação não garante em nada a preservação ambiental, ao contrário, apenas avoluma o já abastado compêndio legal existente, deixa o Estado em débito com os proprietários das terras, porque em grande parte das unidades criadas, resta ainda pendente a justa indenização aos proprietários, e por fim e talvez mais importante, viola o direito de propriedade desses produtores, em um sistema de confisco, vez que esses ficam sem suas terras e não recebem a devida indenização pelo Estado.
Mais que criar leis, é necessário tomar providências concretas para enfrentar as ameaças ao meio ambiente. Não custa lembrar ao amigo leitor que desde a Declaração Final da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo no ano de 1972 – a primeira grande Declaração de Direitos que visava proteger o meio ambiente a partir de normas e princípios – os textos normativos que visam à proteção ambiental aumentam progressivamente, gerando diversos problemas que perpassam a inviabilização do desenvolvimento até a dificuldade de implementação das normas correlatas.
Tais excessos resultam em formações assistemáticas do direito, causando desordem, multidimensionalidade e acúmulo de regras que, ao final, em vez de proteger mais, acabam por enfraquecer os regulamentos, uma vez que, propagam uma ineficiência operacional e violam dispositivos legais já existentes.
O citado projeto de Emenda Constitucional condiciona a criação de novas unidades de conservação à regularização de ao menos 80% das já existentes, bem como exige a disponibilidade de dotação orçamentária para a completa e efetiva indenização dos proprietários afetados, da demarcação dos limites, da implantação efetiva do controle e fiscalização.
Como muito bem observado na proposta enviada pelo Governo, o Estado deve ser responsável pela formulação de estratégias eficazes para a proteção do meio ambiente. Todavia, não pode fazer isso a preço de prejudicar proprietários e não os indenizar devidamente pela desapropriação de terras com características naturais relevantes, sejam para atividades de preservação da biodiversidade, pesquisas científicas ou visitações públicas.
Nesse âmbito, não se pode deixar de mencionar a situação do Parque Estadual da Serra Ricardo Franco, em Mato Grosso, em que diversos proprietários nunca foram indenizados e estão sofrendo multas ambientais astronômicas, por estarem produzindo em um suposto Parque que nunca saiu do papel.
O mesmo ocorre com o Parque de Chapada dos Guimarães, em que houve muito prejuízo, considerando que muitos afetados estavam com a vida toda regulamentada e, sem mais nem menos, foram surpreendidos com uma legislação que funcionou quase por meio de um confisco de terras; retirando também o direito de produzir, e não indenizou ninguém.
“É imprescindível um planejamento, estudos técnicos, viabilidade de funcionamento e a devida e justa indenização aos proprietários das terras que forem desapropriadas para a criação de Unidades de Conservação.”
Destaca-se, se o Estado não tem dinheiro para indenizar, não pode confiscar.
Importante asseverar que temos no Brasil a garantia constitucional à propriedade privada, que deve cumprir uma função social e, acaso a Administração queira intervir, desapropriando para um fim específico, deve indenizar o proprietário no valor de mercado do bem. Se assim não proceder começamos a direcionar para um caminho muito tortuoso do confisco.
Segundo dados disponíveis no site do Ministério do Meio Ambiente, atualmente o Brasil possui 2.598 unidades de conservação/proteção, federais, estaduais ou municipais. Do total, 838 são de proteção integral, como Estações Ecológicas, Monumentos Naturais, Parques Nacionais, estaduais ou municipais, Refúgios de Vida Silvestre e Reservas Biológicas, as outras 1.760 unidades são de uso sustentável (Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas, de Desenvolvimento Sustentável, Reserva Particular do Patrimônio Natural, Áreas de Proteção Ambiental e Relevante Interesse Ecológico).
Assim, em respeito ao direito à propriedade, um dos maiores institutos do ordenamento jurídico ao longo da história, de acordo com a propositura em comento, não se poderá criar novas Unidades de Conservação sem indenizar devidamente àqueles que teriam seu patrimônio prejudicado pelas possíveis desapropriações para a criação de áreas de proteção.
Outra alteração a ser promovida é que o Estado deverá demarcar e fazer a regularização dominial das Unidades já existentes e efetivar o funcionamento dessas, no prazo de dez anos, consignando, nos próximos orçamentos, os recursos financeiros necessários, algo louvável, pois, começa a ter o que já alocamos quanto a efetividade.
Assim, nos alinhamos à proposta em tela, salientando que é imprescindível um planejamento, estudos técnicos, viabilidade de funcionamento e a devida e justa indenização aos proprietários das terras que forem desapropriadas para a criação de Unidades de Conservação.
Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com
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