Não é novidade que o agronegócio brasileiro, sustento robusto da nossa economia, tem sido frequentemente colocado no banco dos réus em discussões sobre questões ambientais. No entanto, é preciso abordar essa questão com nuances, reconhecendo que os produtores rurais, em imensa maioria, desempenham um papel ativo na proteção e preservação do meio ambiente.
No último dia 10, o governo de Mato Grosso publicou o Decreto nº 275 de 2023. Por intermédio dessa nova norma jurídica, foram alterados dispositivos do Decreto nº 1.436, de 18 de julho de 2022, que “dispõe sobre o processo administrativo estadual de apuração das infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, regulamenta o Programa de Conversão de Multas Ambientais e dá outras providências.”
Já de início é importante asseverar que alterações frequentes na legislação geram muita insegurança jurídica e prejuízos aos administrados, além, é claro, de afugentar investimentos, pois ninguém quer investir em um local onde a “regra do jogo” muda constantemente, vez que esse fato, impede, inclusive, que “projetos” previamente estudados, validados e aprovados sejam executados.
O leitor deve se lembrar que fizemos por aqui três artigos, em semanas sequenciais, destrinchando o teor do Decreto nº 1.436/2022. Naquelas ocasiões parabenizamos o governo de Mato Grosso por ter criado uma ferramenta que propiciava maior transparência em condutas de fiscalização, bem como deixava de forma mais clara os trâmites, fases processuais de apuração de infrações ambientais.
Utilizando-se dessa norma (Decreto nº 1.436/2022), vários produtores rurais protocolizaram pedidos de conciliação na Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA, para terem direito aos percentuais de descontos sobre o valor das multas ambientais, requerendo assim por consequência, “adesão” ao recém criado programa de Conversão de Multas em Serviços de Preservação, Melhoria e Recuperação da Qualidade do Meio Ambiente.
“O governo de Mato Grosso, poucos meses depois da publicação do Decreto nº 1.436/2022, já alterou substancialmente dispositivos desse, criando uma enorme insegurança jurídica aos administrados”
Muitos dos pedidos acima informados quiçá foram analisados, ainda estão nas “caixas” da SEMA para apreciação.
Todavia, o governo de Mato Grosso, poucos meses depois da publicação do Decreto nº 1.436/2022, já alterou substancialmente dispositivos desse, criando uma enorme insegurança jurídica aos administrados.
Antes, era expressamente previsto no § 1º do art. 68 do Decreto nº 1.436/2022, descontos nos percentuais de 90% (noventa por cento) a 70% (setenta por cento) no valor da multa consolidada, nos casos em que a infração objeto da conversão configurasse conduta de menor potencial ofensivo, assim compreendidas aquelas que não configuram crime ambiental ou se enquadram no art. 61 da Lei Federal nº 9.099/95.
Contudo, a novel norma (Decreto nº 275/2023) alterou o mencionado § 1º do art. 68 do Decreto nº 1.436/2022, asseverando que o desconto nos percentuais acima mencionados, somente será possível “quando a infração objeto de conversão não estiver relacionada a qualquer forma de exploração florestal, supressão de vegetação nativa ou não configurar crime ambiental”. Assim, os novos pedidos de conciliação relacionados a “condutas” que envolvam exploração florestal, supressão de vegetação nativa ou configurem crime ambiental, deverão se fundamentar nos incisos I, II e III do art. 68, e serem enquadrados nos descontos de 60% a 40%, a depender do momento processual.
Vale lembrar o brocardo jurídico do “tempus regit actum” (o tempo rege o ato), que se traduz na ideia de que os atos processuais são regidos pela lei em vigor no momento em que são praticados, portanto, o novo Decreto deverá ser utilizado para os pedidos realizados após sua entrada em vigor, não podendo retroagir para um momento que ele não existia.
Superado o ponto anterior, observa-se que o Decreto nº 275/2023 traz em seu bojo mudanças também no que se refere a cessação da penalidade de Embargo/Interdição, sendo que agora a cessação “dependerá de assinatura de termo de compromisso que corrija a infração ou decisão da autoridade ambiental competente para julgar o auto de infração, que será prolatada mediante a apresentação pelo autuado de documentação que comprove a regularização da obra ou atividade.”, conforme art. 17.
Outro ponto observado na nova norma refere-se à alteração no procedimento de conciliação ambiental em condutas que são discriminadas como crime. Nesse caso “o procedimento de conciliação ambiental poderá ser realizado em conjunto com a Delegacia Especializada do Meio Ambiente e o Ministério Público do Estado de Mato Grosso”, conforme art. 22.
Também é elencada no Decreto nº 275/2023 a impossibilidade de conversão de multa para execução de projeto que vise a reparação de danos decorrentes da própria infração (art. 64).
De fato, Mato Grosso instituiu em 2022 o Programa de Conversão de Multas Ambientais, que promove a conciliação entre o Estado e os infratores ambientais. A conversão é aplicável, a depender da fase processual, aos processos administrativos de infrações ambientais do Estado e pode gerar descontos como já mencionado em artigos anteriores nesta coluna. Entretanto, o modo como isso vai funcionar deve ser observado e acompanhado em detalhes.
“A ideia do Programa de Conversão de Multas Ambientais é permitir que os produtores rurais, que podem ter infringido as normas ambientais, “invistam” em projetos de recuperação ou conservação ambiental em vez de apenas pagar multas”
A ideia do Programa de Conversão de Multas Ambientais é permitir que os produtores rurais, que podem ter infringido as normas ambientais, “invistam” em projetos de recuperação ou conservação ambiental em vez de apenas pagar multas. Esse programa mostra que é possível transformar erros em oportunidades de aprendizado e crescimento, incentivando ações positivas em relação ao meio ambiente, em vez de apenas penalizar o infrator; reforçando assim, a imagem positiva do agronegócio como um parceiro, e não um adversário, na busca pela sustentabilidade ambiental.
Não se pode olvidar que o agronegócio é a espinha dorsal da economia brasileira e, em particular, do estado de Mato Grosso. O setor é responsável por uma parcela significativa do PIB nacional e desempenha um papel fundamental na geração de empregos e desenvolvimento econômico. Além disso, o Brasil é um dos maiores exportadores de commodities agrícolas do mundo, e Mato Grosso tem um papel importante nesse cenário.
Nesse âmbito, sabe-se que a vasta maioria dos produtores rurais do Brasil e de Mato Grosso é ambientalmente consciente e responsável. Eles compreendem que a sustentabilidade ambiental é vital para o sucesso contínuo do agronegócio e para a preservação dos recursos naturais do país. Dessa forma, muitos produtores adotaram práticas ecológicas, como o manejo adequado dos solos, a rotação de culturas, a conservação de água e a preservação de áreas de vegetação nativa.
Diante dessa realidade, é indispensável que os produtores rurais tenham segurança jurídica e um ambiente regulatório estável para poderem exercer suas atividades com confiança. A segurança jurídica é importante não apenas para proteger os direitos dos produtores, mas também para incentivar o investimento em tecnologias e práticas agrícolas. Um ambiente regulatório previsível e justo é fundamental para o crescimento e a supervisão do setor agrícola e para a preservação do meio ambiente.
Parabéns, produtor rural, e obrigado por continuar colocando comida em nossa mesa e gerando empregos. Você é mesmo um herói por conseguir sobreviver no meio de tantas dificuldades e inseguranças.
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