Vez, voz e voto!

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

Conta a história do Brasil que 32 anos após Cabral ter desembarcado nas terras tupiniquins, os moradores da primeira vila fundada na colônia portuguesa – São Vicente, em São Paulo – foram às urnas para eleger o Conselho Municipal. Ainda de maneira indireta, seis representantes popularmente eleitos selecionaram os membros do citado Conselho.

Nesse viés, Portugal foi ligeiro em dispor legislação sobre o tema e em 1603 elaborou o Livro das Ordenações. O documento vedava a presença de autoridades do Reino nos locais de votação para que as pessoas pudessem escolher os representantes mais livremente. Que bonito!

Com a “independência” batendo às portas, ocorreu no Brasil, em 1821, a primeira votação para além da esfera municipal. Com base no que regia a Constituição da Espanha, considerando a inexistência de dispositivo legal brasileiro para tanto, os eleitores brasileiros “homens livres” e, pioneiramente, os analfabetos puderam escolher 72 representantes para a corte lusitana. Entretanto, ademais de não haverem partidos políticos, o voto não era secreto… O que talvez tenha gerado alguns desconfortos e o que chamaríamos, na contemporaneidade, de ilegalidades…

Haja história para contar, lutas vigorosas…

Avancemos para 1824, quando passa a existir a primeira legislação eleitoral brasileira, ordem advinda de Dom Pedro I. Foi com essa norma que se regeu a eleição da Assembleia Geral Constituinte de 1824.

Pós República do café com leite; revolução de 1930 (quando surge o voto secreto e o voto feminino); fraudes; votos de cabresto; ditadura e bipartidarismo; diretas-já; verticalização das coligações e a queridinha da vez, biometria; ainda nos deparamos com cidadãos pensando em ignorar todos esses anos de esforços para que fosse possível eleger um representante.

As consequências de um processo eleitoral são incomensuráveis. As decisões tomadas por um governante afetam de tantas formas a vida da população que os benefícios e, prioritariamente, os transtornos, são incalculáveis.

Vale aproveitar o ensejo para esclarecer que os votos em branco e nulos não são computados para a contagem final das eleições. E vale ressaltar, ainda que mais da metade da população abra mão de seu direito de escolher, não manifestando preferência por nenhum candidato (voto em branco) ou anulando seu direito de votar (voto nulo), os resultados serão os mesmos. É como se esses votos não existissem. Ganhará o pleito o candidato que for mais votado.

É evidente que estamos diante de uma crise de confiança nas instituições públicas em nosso País, mas que isso seja motivo de atuação e reivindicação popular. Se o povo não fala, é impossível atender a seus pedidos!

Deixar de votar sem justificativa para a ausência implica uma série de consequências, entre elas: impossibilidade de inscrição em concurso público ou prova para ocupação de cargo/função pública e, consequentemente, a proibição de assumir tais cargos/funções; não recebimento de vencimentos, remuneração, salário ou proventos de funções ou emprego público; não participação de concorrências públicas ou administrativas do governo; não obtenção de passaporte; não renovação de matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; impossibilidade de conseguir empréstimo em instituições públicas; não participação de qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou do imposto de renda; e o pior de tudo: submeter-se a um governo sobre o qual se silenciou na oportunidade mais valiosa de ter voz.

Em um Estado Democrático de Direito, é preciso atravessar um processo de amadurecimento social e trazer para a si a parcela devida de responsabilidade quanto ao voto, considerando-o um imprescindível instrumento de defesa dos interesses coletivos.

Somos conclamados a assumir uma postura reflexiva e, sobretudo, ativa. No voto reside uma incumbência inafastável da cidadania, por intermédio do qual busca-se uma sociedade mais justa e igualitária.

É por meio dessa escolha que apontamos o rumo desejado ao nosso País. Ele é garantia de concessão de poder a quem cuidará dos serviços fundamentais à sociedade.

É a nossa vez de falar, de contribuir com o que enxergamos como progresso do País. Estamos, mais uma vez, fazendo a história, o enredo está em nossas mãos.