Na semana passada tratei, aqui, da possiblidade de revisão de multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), levantando questões sobre a postura e a eficiência de organizações que, em tese, deveriam atuar em prol da preservação do meio ambiente, respeitando o direito adquirido e de propriedade. Um destino dos valores arrecadados com as citadas multas seria a recuperação da Bacia Hidrográfica do Rio Taquari, que nasce em Mato Grosso e vai desaguando até o estado de Mato Grosso do Sul.
A previsão de recuperação do Rio Taquari consta na Portaria n° 3.447/2018, publicada no Diário Oficial da União nesse dia 28 de novembro. De outro lado, não existe previsão de indenização das propriedades particulares atingidas pelo alagamento em consequência da falta de limpeza do leito do Rio, durante 40 anos.
O Rio Taquari, definido como objeto de recuperação ambiental com atenção prioritária, segundo o 3° Chamamento Público do Programa de Conversão de Multas do Ibama, compõe a região do Pantanal e encontra-se desatendido no concernente às urgências da recuperação há cerca de quatro décadas. Foram numerosas promessas, mas todas inócuas no decorrer de todo esse tempo.
O descaso não ocorre unicamente no que se refere ao meio ambiente. São inúmeros os prejuízos anuais sofridos pelos proprietários rurais que foram vítimas dos efeitos do entupimento do canal do Rio (pela falta de dragagem ou limpeza do canal) e pelos danos sofridos com os alagamentos. Esse transcurso inundou permanentemente milhares de hectares no Pantanal, causando transtornos e perdas significativas a uma série de famílias pantaneiras. Muitos foram obrigados a abandonar suas propriedades, perderam a tradicional atividade econômica e, em decorrência disso, se viram obrigados a migrar para área urbana em busca de outra atividade econômica ou emprego.
“Este processo de ruptura do equilíbrio do ecossistema Pantanal, com a retirada do Homem Pantaneiro, constitui-se na principal ameaça ao sistema ecológico”
Este processo de ruptura do equilíbrio do ecossistema Pantanal, com a retirada do seu principal componente, o Homem Pantaneiro, constitui-se na principal ameaça ao sistema ecológico. Vale lembrar, que inobstante o Pantanal Mato-Grossense ter sido proclamado patrimônio nacional pela nossa Constituição Federal de 1988, essas terras não podem ser confundidas com patrimônio público, pois são de propriedade particular.
Da mesma forma, o Pantanal recebeu em 2000, do Programa Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) o título que o certifica como Reserva da Biosfera. A princípio, esse instrumento pode ser entendido como uma área especialmente designada para aliar a conservação ambiental e o desenvolvimento humano sustentável, no entanto, não pode ser confundido com criação de Unidade de Conservação, porque, novamente, as terras são de propriedade particular.
Ademais, a navegação de aproximadamente 400 km entre os municípios de Coxim e Corumbá está prejudicada e depende de definição para dragar e recuperar ou limpar o leito do Rio a fim de retomar a navegabilidade. Esses fatores somados acarretam um volumoso impacto ambiental e socioeconômico para o Estado.
Na teoria, a recuperação parece funcionar, entretanto, não há, na prática, uma transparência na prestação de contas. O fundo de investimento já tem depositado valores que se aproximam de R$ 2 bilhões – valor convertido das multas ambientais – e R$ 500 milhões devem ser direcionados para a recuperação do Rio Taquari. Vale lembrar que toda essa movimentação em torno da almejada recuperação do Rio ainda gerará um edital para contratações de empresas, para que essas apresentem projetos de recuperação definitiva da área. Mais uma demanda de investimento do erário público que perpetua o esquecimento daqueles proprietários que já foram atingidos pela falta de decisão do Poder Público.
É preciso usar os recursos em benefício efetivo do meio ambiente, o que inclui o benefício do ribeirinho, do pantaneiro, indenização dos proprietários que foram lesados pela omissão dos órgãos competentes no decorrer desses quarenta anos.
A morte da vegetação que margeava o Rio, a impossibilidade do uso da terra para o investimento agropecuário, a decadência da navegabilidade e da pesca prejudicam famílias pantaneiras que vivem da terra e a defendem, há mais de 200 anos, como bem maior de seu respectivo sustento familiar.
Não há como se falar em recuperação do meio ambiente ignorando quem vive nele. Esse homem pantaneiro já perdeu o Rio uma vez, perderam muito do (ou todo) seu patrimônio com as desordenadas ações sobre o assunto. É preciso compreender a humanidade como relevante nessa complexa equação. Perde-se um Rio, perde-se vida. Há muito que reparar, e há muitos pantaneiros que são legítimos merecedores de tais reparos.
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