Foi publicada recentemente a Súmula 623 – STJ que diz: “as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.”
Dizer que uma obrigação é propter rem, é afirmar que as obrigações ambientais aderem ao título de domínio ou posse e se correspondem ao atual proprietário ou possuidor, ainda que esse não tenha nenhuma responsabilidade pela degradação ambiental em comento.
Em termos práticos, funcionaria como no seguinte exemplo: um proprietário/possuidor hipotético possui uma área de terras, e em determinada época, sem autorização ou qualquer tipo de licença do órgão ambiental competente, o então proprietário/possuidor decide fazer uma benfeitoria em sua fazenda e com isso derruba parte das árvores de seu imóvel.
No ano seguinte, esse proprietário/possuidor decide vender a terra. Mais um ano se passa. O novo dono, que comprou a propriedade já desmatada, sem qualquer responsabilidade, anuência ou concordância com o ato passado do proprietário/possuidor anterior, recebe uma intimação por parte do Ministério Público, que por sua vez, ajuíza ação civil pública – ACP, requerendo a reparação civil do dano ambiental causado, lembrando que, o Ministério Público ao ajuizar a ACP pleiteia além da reparação da área em tese degradada, a indenização por dano material e dano moral coletivo, ou seja, o proprietário rural que muitas vezes, sequer deu causa para a ocorrência da degradação, recebe um ônus impossível de cumprimento.
Assim sendo, por mais que o novo proprietário do imóvel comprove aos órgãos ambientais competentes, e ainda, ao Ministério Público, por intermédio de provas documentais, testemunhais e periciais, que quando adquiriu o bem imóvel, o dano ambiental já estava consumado e que por sua vez, a responsabilidade não lhe é cabida, mesmo assim, o mesmo poderá arcar com o dever de reparar os danos ambientais.
Vale ressaltar que, de acordo com a nova súmula, fica a critério do credor a escolha de quem irá responder por essa cobrança.
“ Fica a critério do credor a escolha de quem irá responder por essa cobrança”
A questão ambiental no Brasil, considerando a dimensão continental do país, atrai holofotes e tem se tornado sintomática. É preciso tomar medidas que não tornem as próprias ações em novos problemas. A administração dessas demandas precisa ser mais regular e legitimada com critérios claros e bem estabelecidos.
Não basta que se editem centenas de súmulas, resoluções, decretos e instruções normativas visando a regulamentar situações cotidianas, técnicas e jurídicas, no tocante ao bem ambiental e culpabilizar quem aparecer primeiro. Trata-se de uma questão muito séria e de fundamental importância a todos.
Ademais, vale lembrar que súmulas possuem a finalidade precípua de serem norteadoras da compreensão jurisprudencial garantindo estabilidade ao ordenamento. No entanto, não cabe ao Poder Judiciário legislar ou criar normas, mas sim, sedimentar entendimentos que direcionem a legislação para uma compreensão pacificada sobre determinada matéria.
Por outro lado, vale recordar o previsto no parágrafo 3º do art. 225 da Constituição Federal do Brasil de 1988 “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Dessa maneira, as repercussões no plano ambiental podem ocorrer em diversas esferas, conjuntamente.
São sanções administrativas cabíveis aos crimes ambientais de acordo com o Decreto 6.514/2008: a) a advertência; b) multa (simples e diária); c) apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna […]; d) a destruição ou a inutilização do produto; e) suspensão de venda… f) o embargo da obra ou atividade; g) a demolição … h) suspensão total ou parcial de todas as atividades e restritiva de direitos.
Resta evidenciado no rol taxativo supracitado que multa é sanção diversa de obrigação administrativa de reparar o dano, e ainda, indenização por dano material e moral coletivo também não deve ser confundida com obrigação de reparar o dano.
No que concerne às sanções penais e administrativas, consoante à legislação correlata ao tema: aplica-se o princípio da intranscendência das penas, estabelecido no art. 5º, XLV, da Constituição Federal/88, que preconiza que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, ou seja, não é admitido que terceiros respondam a título objetivo praticado por outrem. E no caso ambiental em específico, não é possível ajuizar execução fiscal em face de terceiros para cobrar multa aplicada a determinada pessoa.
Desse modo é cristalino o entendimento que a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade civil objetiva. Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; já a reparação ambiental de cunho civil, pode abranger todos os poluidores.
O meio ambiente e sua proteção é do interesse de todos, como preconiza a própria Carta Magna. As limitações e os deveres jurídicos aos proprietários e possuidores contidos na lei e em todo o ordenamento jurídico são inerentes à própria concepção de propriedade privada e sua função social.
« Clima que afeta o bolso e a pele
Tratados internacionais e soberania nacional »
You May Also Like
Regularização ambiental do imóvel rural
Compensação de reserva legal: STF decide que vale o conceito de “bioma”!
Moratória da soja: a revanche de Mato Grosso!
Mudanças na “Lei do Pantanal”