Desejar o bem sem saber de quem

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

Quando se trata de posse, o Direito Brasileiro vem sendo tema de debates muito proveitosos. O assunto se aprofunda e se torna mais relevante, ao se levar em conta as dimensões continentais do Brasil.

De início, mister se faz esclarecer que posse é um situação fática decorrente de uma relação socioeconômica entre o sujeito e a coisa, e que gera efeitos no mundo jurídico. Pode igualmente ser entendida como a exteriorização dos exercícios dos poderes da propriedade, independentemente de situação jurídica consolidada. Seu requisito é o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Nesse sentido o art. 1.196 do Código Civil indica: Possuidor é aquele, que de fato exerce, de forma plena ou não, algum (qualquer um) dos poderes inerentes à propriedade.

“É evidente a necessidade de se estudar cada vez mais o ‘instituto’ da posse”
Já o artigo 1.228 do mesmo Diploma Legal, entre outras palavras, define que proprietário é aquele que pode usar, gozar, dispor ou reaver a coisa.

Nesse diapasão, vale diferenciar os conceitos: usar é servir-se das utilidades do objeto; gozar é receber os frutos; dispor, em geral, significa poder se desfazer do objeto: vender, doar, destruir, abandonar, dar em garantia ou pagamento e; por fim, reaver é o direito de ir atrás, o direito de retomar o objeto.

A posse pode também ser classificada em duas outras categorias: boa ou má-fé, a depender da intenção interior do possuidor, ou seja, do seu componente subjetivo.

Posse de boa-fé, regida pelo art. 1.201 do Código Civil, ocorre quando o possuidor desconhece o vício da posse ou obstáculo que impeça a aquisição do objeto; quando estiver convicto de que a coisa, realmente lhe pertence, ignorando que está prejudicando direito de outra pessoa, por não saber da existência de vício que lhe impede a aquisição da coisa.

De outro norte, a posse de má-fé é aquela que o possuidor tem ciência de possíveis vícios do objeto e mesmo assim opta por continuar com seus respectivos procedimentos. Ou seja, o possuidor mesmo conhecendo as circunstâncias de fato que cercam o objeto da posse, persiste em seu intento de adquiri-la, de modo que, conscientemente, assume o risco de sofrer as consequências jurídicas advindas de sua manifestação de vontade. Vale ressaltar que esse conceito não está expresso no Código Civil. Decorre das situações em que não existe boa-fé e deve ser avaliada caso a caso. Desse modo, o legislador da maior mobilidade ao intérprete da Lei para que este possa aferir em que casos há má-fé.

São vários tipos de classificação da posse. Não pretendo esgotá-los aqui, considerando as limitações do próprio contexto de publicação deste artigo, entretanto, como ilustração, a posse pode ser: justa, injusta, direta, indireta, posse nova, posse velha….

A posse existe no mundo antes mesmo da propriedade, afinal a posse é um fato que está na natureza, enquanto a propriedade é um direito criado pela sociedade; os homens primitivos tinham a posse dos seus bens, já a propriedade só surgiu com a organização da sociedade e o desenvolvimento do direito.

Assim, é evidente a necessidade de se estudar cada vez mais o “instituto” da posse, tendo em vista que, intrinsecamente, pelo próprio modo de organização social da humanidade, possuir um chão onde viver e produzir, tornaram-se necessidades primárias.

“Insta destacar ainda que a defesa da posse é a defesa da paz social em si”
Insta destacar ainda que a defesa da posse é a defesa da paz social em si. Não há sociedade pacífica se os direitos de posse não estiverem claramente delimitados.

Do mesmo modo, a quebra da tranquilidade da sociedade em decorrência da tomada violenta da posse de alguma coisa que outrem tinha em seu poder, gera violência, transtornos e insegurança de um modo geral, além de outras perturbações indiretas até mesmo na economia.

Com essa perspectiva, é necessário debater e comentar os procedimentos, funções e efeitos da posse, de maneira que essa reste cada vez mais esclarecida, proporcionando uma sociedade mais organizada e equilibrada.