Produtor rural devedor

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

Nos dias atuais, em meio à instabilidade econômica enfrentada pelo mercado financeiro do país, a utilização do instituto da alienação fiduciária tem se tornado uma opção bastante utilizada nos mais variados tipos de negócios do mundo contratual.

“Em meio à instabilidade econômica enfrentada pelo mercado financeiro do país, a utilização do instituto da alienação fiduciária tem se tornado uma opção bastante utilizada nos mais variados tipos de negócios do mundo contratual”

Dentre os vários benefícios trazidos por esse instituto como forma de garantia, estão: a celeridade e simplicidade do procedimento em caso de inadimplemento, menor onerosidade devido à utilização da via administrativa, e maior segurança e eficiência na garantia do crédito transacionado.

Não restam dúvidas que o elemento subjetivo no contrato de alienação fiduciária é bastante amplo, e que a propriedade fiduciária de bem imóvel pode ser constituída para garantia de quaisquer obrigações.

Como é cediço, o setor do agronegócio é reconhecidamente muito dependente do crédito para custeio e investimentos periódicos, o que é muito natural, tendo em vista que a atividade rural no Brasil, em que pese representar 23,5% do PIB, ainda é carente de políticas públicas e de incentivos para a atividade.

No entanto, como mencionado no artigo anterior, quando um produtor dá em garantia seu imóvel por meio do instituto da alienação fiduciária, e por “infelicidade”, muitas vezes inerente aos riscos da própria atividade, acaba tornando-se inadimplente, é aí que passará a enfrentar sérios problemas, dos quais, provavelmente, sequer tinha conhecimento.

Essa forma de garantia transfere ao credor fiduciário a propriedade resolúvel e a posse indireta de um bem imóvel, que passa a garantir com exclusividade o pagamento do débito. Desse modo, caso haja o pagamento do montante contratado, a propriedade do bem imóvel retornará ao seu proprietário original. No entanto, caso o contratante (devedor) não cumpra com as obrigações avençadas, poderá o credor, de forma administrativa e célere, constituir o devedor em mora, e requerer ao cartório de registro de imóveis que consolide a propriedade em seu nome, ou seja, é uma forma pela qual, de maneira extremamente “dinâmica”, pode-se perder a propriedade do bem ofertado em garantia.

Vale ressaltar ainda que, utilizando-se da prova do registro da consolidação da propriedade na matrícula do imóvel, nasce para o credor fiduciário o direito de reintegrar-se na posse do bem, com deferimento de liminar para desocupação.

Por esses motivos, com o intuito de proteger e resguardar a capacidade de produção do segmento do agronegócio, tem se fortalecido um entendimento doutrinário que apregoa que o instituto da alienação fiduciária extrapola os limites legais pertinentes à atividade agrícola, devendo-se buscar adequação de formas de garantia que se amoldem à legislação aplicável à espécie.

“Cabe aos produtores analisar bem as propostas de créditos”

Os defensores desse entendimento protetivo destacam, ainda, que caberia ao Conselho Monetário Nacional fiscalizar as atividades das Instituições Financeiras, para que elas não lancem mão de medidas arbitrárias, e que se voltem contra a necessidade de implemento e facilitação da atividade rural, devido a sua importância à economia do País.

Argumenta-se ainda que, embora a lei teria criado a alienação fiduciária somente para o financiamento imobiliário, de forma arbitrária, os credores de um modo em geral, principalmente os agentes financeiros, têm exigido dos produtores rurais a alienação de suas propriedades para conceder o crédito rural, o que não deveria acontecer.

Consoante se observa pelo explanado, tanto a doutrina quanto a jurisprudência já emitiram sinais de preocupação em relação à utilização indiscriminada do instituto da alienação fiduciária como forma de garantia da atividade agrícola, no entanto, enquanto os Tribunais Superiores não estabelecerem quais os reais limites dessa forma de garantia, ainda iremos verificar sua habitual utilização no campo negocial, cabendo ao contratante se manter atento durante a realização da transação pretendida e, sempre que possível, contar com o aconselhamento de um profissional especializado.

Por fim, entendo que cabe aos produtores analisar bem as propostas de créditos da “praça”, a realidade do negócio pretendido, e, principalmente, as “contrapartidas” exigidas nessas negociações, utilizando como balança os riscos e benefícios de cada negócio, para que, em um futuro próximo, não tenham surpresas indesejadas.