Cuidar do que é nosso

Ana Lacerda é Advogada atuante nas áreas de Direito Agrário e Ambiental na Advocacia Lacerda. Membro da comissão de Direito Agrário e da comissão de Direito Ambiental da OAB/MT

Recentemente, o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou que o governo federal planeja repassar para a iniciativa privada, ainda em 2019, em um modelo de concessão, pelo menos 20 unidades de conservação, dentre elas, uma bastante conhecida do povo mato-grossense, o Parque Nacional de Chapada dos Guimarães.

Ironicamente, o Brasil é o único país do mundo em que a maioria das unidades de conservação criadas incide em áreas altamente produtivas e exploradas há dezenas ou centenas de anos por famílias que batalharam para conseguir seu “pedaço de chão”, e empenham todo seu suor para que suas propriedades cumpram sua função social.

“ No Brasil, na maioria dos casos, as unidades de conservação excluem a presença humana, enquanto na Europa, Ásia e Estados Unidos, pode haver agricultura, aldeias e diversas outras atividades econômicas nos parques nacionais, sem contar a ampla visitação turística”

Nesse mesmo viés, sabemos que no Brasil, na maioria dos casos, as unidades de conservação excluem a presença humana, enquanto na Europa, Ásia e Estados Unidos, pode haver agricultura, aldeias e diversas outras atividades econômicas nos parques nacionais, sem contar a ampla visitação turística.

Vale lembrar que no caso específico do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães, criado pelo Decreto presidencial nº 97.656, de 12 de abril de 1989, até os dias atuais, já decorridos mais de 30 anos de sua criação, apenas uma pequena parcela dos proprietários foi indenizada. Em outras palavras, a criação do Parque já caducou, os registros permanecem em nome de seus legítimos proprietários, as áreas não foram efetivamente transferidas para União. Enfim, fica aqui um alerta àqueles tiveram seus direitos de uso, exploração e alienação restritos, apesar de não terem sido indenizados no prazo legal.

Voltando ao tema do anúncio realizado pelo Ministro do Meio Ambiente, embora a iniciativa cause certo espanto à primeira vista, vale conhecer as razões que fundamentam tal decisão. Na atualidade, a administração das áreas de preservação está sob o comando do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). Submetidas a essa hierarquia, várias unidades de conservação foram surgindo sem maiores critérios, baseadas em voluntarismo, sem o devido planejamento, sem definição clara do perímetro que deveria abranger e sem obediência aos demais requisitos e exigências legais. Sem falar que é de conhecimento de todos, que tanto o ICMBio quanto o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não possuem recursos e pessoal para cuidar efetivamente dessas áreas.

Com as concessões, há uma proposição de monetizar as unidades reduzindo a dependência do orçamento público. Desse modo, o empreendedor que ficar com a concessão, terá mais liberdade de atuação para investir na respectiva propriedade. Em um momento de crise econômica no país, essas concessões representam economicidade para a pasta do Meio Ambiente.

Com a alteração, as áreas poderão ser exploradas comercialmente, desde que cumpram a legislação vigente. A ideia não é uma liberação ambiental desmedida, mas uma mudança sistemática e organizada, preconizada por lei, devidamente aprovada pelo Congresso Nacional.

Vale lembrar, ainda, que a concessão não é privatização. No caso de uma concessão, o Estado não transfere a titularidade do bem, apenas transfere a execução da atividade. Essa transferência de poderes é temporária e a empresa possui prazos determinados e normas a cumprir, podendo o prazo da concessão ser renovado ou não.

A ideia é que as empresas ganhem o direito de proporcionar (e vender) serviços de apoio à visitação por um determinado período de tempo. Do mesmo modo, fiquem comprometidas a investir e cuidar da área, contornando assim a precariedade estrutural dos parques.

“As concessões e parcerias constituem uma viável possibilidade para obter superação nos desafios”

Por intermédio das concessões, a administração atrai tecnologia e boas práticas de gestão, ao passo que o parceiro privado também se desenvolve. A sociedade ganha com um cuidador mais nomeado, e tem de quem cobrar. Em geral, quando a população não conhece, ou não se apropria de um parque, ele se torna alvo fácil para a prática de biopirataria, captura de animais exóticos e outras ações perversas e ilegais.

As concessões e parcerias constituem uma viável possibilidade para obter superação nos desafios em tela. É evidente que todas as ações devem ser tomadas baseadas na legalidade e transparência. Assim, angaria-se na promoção do lazer, bem-estar social, cuidados ambientais e progresso socioeconômico.

No entanto, se o Estado não possui dinheiro para pagar as indenizações exigidas por lei aos proprietários dos imóveis em que estão sendo criadas essas unidades de conservação, o melhor a se fazer, é extinguir essas criações arbitrárias, ou então reverter a renda proveniente dessa “terceirização” para pagar as indenizações pendentes e devidas àqueles que permanecem senhores e possuidores dessas áreas.