Antes de adentrar à discussão sobre o projeto de lei que intitula este texto, é importante elucidar o que seriam as tais áreas rurais consolidadas.
Pois bem, área rural consolidada é aquela porção territorial do imóvel rural em que se teve a supressão da vegetação nativa e instalação/edificação de benfeitorias ou implantação de atividades agrossilvipastoris antes de 22 de julho de 2008, conforme exposto no art. 3º, inciso IV do Código Florestal Brasileiro, Lei Federal n. 12.651 de 25 de maio de 2012.
Vale frisar que essa data foi escolhida pois é a data do Decreto Federal nº 6.514, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências.
A razão para tanto se dá em nome da segurança jurídica e de o produtor rural não ficar à mercê da conveniência do fiscalizador, algo deveras temerário no Estado Democrático de Direito.
Contudo, mesmo tendo uma data temporal clara, persistem ainda casos de muita insegurança jurídica, principalmente nos casos em que houve a supressão da vegetação nativa antes de 22/07/2008 e a área ficou em pousio por um determinado tempo, passando a produzir gramíneas e pequenos arbustos. Quase sempre os órgãos de fiscalização e controle, de forma equivocada, entendem que estas áreas não podem mais ser usadas para produção, devendo ficar apenas como proteção de fauna e flora. Um erro bastante grave.
Assim, para se ter o espectro de abrangência claro, sem dar interpretações equivocadas e conseguir de forma efetiva ter a necessária segurança jurídica, a Deputada Federal Jaqueline Cassol, do PP/RO, apresentou na Câmara Federal, na data de 18/09/2020, o Projeto de Lei nº 4.648 que pretende alterar o Art. 3º, incisos IV e XXIV do Código Florestal (Lei Federal n. 12.651/2012).
Segundo o projeto de lei mencionado, o intuito é “desmistificar que áreas simplesmente encapoeiradas, na maioria das vezes infestadas com inços de pastagens, sem nenhuma importância do ponto de vista de preservação ambiental, que chegaram nesse estágio por impedimentos adversos à vontade do proprietário, continuem improdutivas economicamente e também não tenham relevância ambiental, propondo que seja considerado o marco temporal de 22 de julho de 2008, ou seja, se a área, até aquela data, tenham sido convertidas para uso alternativo do solo, esta seja considerada área consolidada.”
Em conjunto ao exposto, a autora do projeto de lei nº 4.648, de forma muito coerente elucida que a alteração proposta seria uma “medida proativa e de grande ganho ambiental o fato de a área encapoeirada, que se encontrar em área destinada à Reserva Legal do imóvel rural, poder ser compensada em outra área de igual ou maior importância ambiental dentro do mesmo bioma.”
Como se observa, o ponto nefrálgico do projeto de lei é justamente abarcar as áreas produtivas, aquelas que já possuíam ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, em regime de pousio, pelo prazo máximo de cinco anos, ou onde a continuidade das atividades agrossilvipastoris tenha sido impedida em função da tramitação de processo judicial ou de impedimento de força maior ou caso furtuito, pelo prazo máximo de vinte anos.
Na mesma seara, pousio deverá ser definido como prática de interrupção temporária de atividades ou usos agrícolas, pecuários ou silviculturais, para possibilitar a recuperação da capacidade de uso ou da estrutura física do solo. Ou seja, a limitação de tempo antes verificada será modificada.
Diante da revisão apresentada, é preciso considerar que, na contemporaneidade, a legislação florestal vigente no Brasil representa o máximo de rigor ambiental no mundo. Sob esse ponto de vista, já comentamos diversas vezes que a sustentabilidade e conservação da biodiversidade é interesse do produtor. Essas medidas auxiliam o controle de predadores e pragas agrícolas por intermédio do equilíbrio entre as espécies preservadas; garantem água limpa e abundante; bem como, diminuem os efeitos das mudanças climáticas sobre as plantações, por exemplo. Isto é, quem coloca o produtor e a preservação ambiental como antagonistas o faz por ignorância ou má-fé.
Em análise do projeto de lei, o relator, Deputado Federal Evair Vieira de Melo, do PP/ES, na data de 13/07/2021 emitiu parecer favorável. Assim, pedimos permissão ao amigo leitor para trazer alguns pontos do brilhante voto.
De maneira inicial o deputado Evair Vieira de Melo elucidou que “a proteção das formações florestais nativas tem inegável importância não só sob o ponto de vista da sustentabilidade ambiental, mas também da sustentabilidade da atividade agropecuária, que tem seu sucesso em muito atrelado a um meio ambiente equilibrado. Sucede que também inegável o processo histórico de ocupação e uso do solo que culminou no desmatamento de áreas que pela legislação atual deveriam estar preservadas, como as áreas de preservação permanente e de reserva legal.”
Pelo fato exposto o relator, reitera-se, de forma muito acertada, fazendo a análise da dicotomia de Preservar e Produzir, entabulou que a proposta de alteração legislativa seria a de “ incluir, entre as áreas consideradas como consolidadas, as áreas em que a continuidade das atividades agrossilvipastoris tenha sido impedida em função da tramitação de processo judicial ou de impedimento de força maior ou caso fortuito, pelo prazo máximo de vinte anos, assim como mantém como consolidadas as áreas em regime de pousio, pelo prazo máximo de cinco anos.”
“As alterações previstas pretendem manter a prática de compensação em outra área de igual ou maior importância ambiental dentro do mesmo bioma”
É cediço que inúmeros fatores, quando se está diante de uma “indústria a céu aberto”, como é a atividade agrossilvipastoril, podem impactar na continuidade da produção, sejam as intempéries climáticas, ou invasões da propriedade rural, ou falta de insumos para aquele ano, ou diminuição da capacidade produtiva que reverbera na necessidade de deixar a área sem produzir por um determinado tempo, razões pelas quais determinada área, sublinhe-se, onde se teve ocupação antrópica até 22 de julho de 2008, podem ficar “sujas” e voltar a encapoeirar. Entretanto, não cabe tratá-las como áreas de preservação, pois, já foram suprimidas e o que se tem são apenas gramíneas ou pequenos arbustos.
Pelo exposto, de forma louvável e que deve ser reconhecida, o relator do Projeto estabeleceu conclusivamente que “não há que se manter fora do sistema produtivo áreas encapoeiradas, já que não promovem ganho ambiental.”, razão pela qual “consideramos que a alteração proposta promove um ajuste necessário no Código Florestal, tornando mais factível o texto legal sem que haja perda na proteção das formações florestais que realmente devem ser preservadas.”.
A alteração proposta no novo texto legislativo em análise visa sanar algumas lacunas que só foram observadas quando depois de transcorrido certo tempo da prática do previsto no Código.
Um exemplo disso é que, após a conversão de determinada área, a vegetação plantada em uso alternativo de solo passa a competir com as plantas nativas em estado de recuperação. Esse processo acarreta uma demora muito maior que cinco anos para a regeneração da área, que acaba propiciando condições para a disseminação de incêndios e pragas. Assim, a área denominada encapoeirada não pode mais ser usada para a produção (nos dias atuais), tampouco serve para voltar a compor reserva. Fato que, além de não gerar lucros ou benefícios ao meio ambiente, gera apenas prejuízos infundados a todos os envolvidos no processo, e impacta de forma direta ao meio ambiente e à sociedade.
Dessa maneira, as alterações previstas pretendem manter a prática de compensação em outra área de igual ou maior importância ambiental dentro do mesmo bioma: uma medida que realmente traz ganhos ambientais; ao passo de que, para ser considerada área de pousio, a localidade deve contar com a possiblidade efetiva de se tornar importante para a composição da reserva ambiental.
Parabenizamos a deputada federal Jaqueline Cassol e o relator, deputado federal Evair Vieira de Melo, tanto por defender o homem do campo, o verdadeiro herói nacional, quanto, mais ainda, por dar um importantíssimo passo para se ter a necessária segurança jurídica para que o produtor rural consiga continuar produzindo, gerando empregos e distribuição de renda.
Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com
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