Quando um indivíduo comum busca demarcar suas terras ou garantir sua posse, o Código de Processo Civil de 2015 e o Código Civil de 2002 apresentam institutos como as ações demarcatórias ou de usucapião do local em seus artigos 569 e 1.238 e seguintes, entretanto, quanto aos indígenas, a Constituição Federal de 1988, principalmente em seus artigos 231 e 232, lhes garante métodos diversos de reafirmarem a posse sobre determinado território, desde que ela realmente exista. Tais direitos foram confirmados posteriormente pelo Decreto nº 1775/96, que dispõe detalhadamente sobre a demarcação de terras indígenas.
Tal diversificação de procedimentos surge do princípio de posse prévia dos índios sobre o território em questão, justificada na ocupação existente anteriormente à descoberta e ao povoamento do Brasil. Assim, a Constituição assegura aos indígenas a posse sobre determinado território em que exercem sua cultura e praticam suas atividades de agricultura e religiosas, protegendo esse local do que consideram como ameaças externas, como uma obrigação da União de resguarde da cultura indígena no país.
É de conhecimento geral que a cultura indígena merece e tem seu respeito resguardado, inclusive legalmente e, neste sentido, a demarcação das terras é um método administrativo de lhes atribuírem a posse do território que alegam lhes ser devido. O grande problema se encontra na unilateralidade deste procedimento, visto que por não ser uma forma com resguarde judicial e garantia plena de ampla defesa, acaba por prejudicar o direito dos demais interessados e se torna algo parcial.
Essa parcialidade decorre, primeiro, da ausência do devido processo judicial legal, o que, por si só, já prejudica os interessados que não são indígenas. Em segundo lugar, é resultado da abrangência da FUNAI – Fundação Nacional do Índio, sobre quase todas as etapas do procedimento, com a justificativa de resguarde dos direitos indígenas. Entretanto, não há quem resguarde os direitos dos demais interessados.
A demarcação física, a avaliação das benfeitorias realizadas pelos não-índios, bem como a retirada destes do local, além das interdições de locais e registro das terras, são todas etapas realizadas pela FUNAI, de modo que somente as fases de homologação e declaração dos limites são de competência da Presidência da República e do Ministério da Justiça, respectivamente. E, havendo grandes conflitos mais complicados de serem resolvidos, a FUNAI simplesmente declara o local como reserva indígena.
Não se discute aqui a existência dos procedimentos de demarcação indígenas ou as propriedades do Decreto nº 1775/96, ao contrário, é notável sua necessidade e a inevitabilidade de sua realização, bem como a constitucionalidade das normas que garantem esse ato, o que se contesta é a ausência de amparo ao proprietário que está do outro lado, que tem sua posse revogada em razão de um procedimento extremamente unilateral, parcial e administrativo, sem poder ao menos tentar provar o seu direito sobre a terra, justificadas na valorização da cultura indígena e na defesa dos interesses desses povos. Portanto, apesar da presença do Ministério da Justiça e do Presidente da República, não há uma instituição em defesa dos outros interessados como há em favor dos povos indígenas.
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