A polêmica questão fundiária em Mato Grosso

O Brasil apresenta algumas características únicas em sua região de Fronteira. Possui uma faixa que se estende em até 150 km de largura ao longo de 15.719 km da fronteira terrestre brasileira.

Esta engloba 27% do território brasileiro e abriga uma população, considerável, de mais de 11 milhões de habitantes. Abrange ainda, 588 municípios de 11 Unidades da Federação, sendo elas, Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa Catarina.

E ainda, faz fronteira com dez países da América do Sul. É uma faixa de fronteira que deve ser vista com muita atenção pelos Poderes da República!

Vivemos uma insegurança jurídica impar, criada entre a União e os Estados pela chamada venda a non domino – transferência de bens móveis ou imóveis, por quem não é seu legítimo dono, bem como, pela ilegal iniciativa do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), ao anular os títulos de terras emitidos por Mato Grosso, há mais de 50 anos.

Fato este, que está sendo julgado pela Justiça Federal da Primeira Região e que, diga-se en passant, é incompetente para decidir conflito de terras entre o Estado e União, como já definido pelo artigo 102, I, “f”, da Constituição Federal, pois a competência é do Supremo Tribunal Federal.

O artigo 5º da Constituição Federal é categórico ao afirmar que todos são iguais perante a lei. Logo, as áreas doadas ou vendidas pelo Estado de Mato Grosso, as Cartas de Sesmarias e os aforamentos de terras devem permanecer respeitados em seus direitos adquiridos pelas pessoas.

Outra questão polêmica é a faixa de 100 km de cada lado das rodovias federais, criada por meio do Decreto n.º 1.164/71, durante a vigência da Emenda Constitucional n.º 01/69, portanto aplicavam-se os seus preceitos no caso. O decreto nascia como sendo essencial ao desenvolvimento econômico.

Nesse caso, o governo federal deveria ter encaminhado mensagem ao Congresso para autorizar a revogação do preceito que concedia as terras públicas aos Estados, mas, jamais, pura e simplesmente baixar um decreto para confiscar os bens e patrimônio dos Estados, como fez, sem qualquer indenização.

Como se não bastasse isso tudo, cumpre ainda ressaltar que no governo de José Sarney, precisamente no ano de 1987, foi revogado o respectivo decreto-lei, por outro decreto-lei, já agora, o de n.º 2.375/87.

Porém, o de Sarney incorreu no mesmo erro crasso. Embora tenha revogado o outro, manteve os processos de arrecadação de terras e discriminatórias, em andamento e prosseguimento. Nesta parte, o decreto-lei n.º 2.375/87, tornou absolutamente ineficaz a revogação do n.º 1.164/71, pelos mesmos motivos. Ou seja, atentando contra a Emenda Constitucional n.º 01/69, art. 5º, “ut retro” mencionado.

Estes conflitos de competência entre os Estados com a União, além da intranquilidade e da insegurança jurídica gerada nessas regiões, fizeram com que a forma do processo reivindicatório dessas terras criasse situação nova.

Isto dando a oportunidade a indivíduos que nunca foram índios, aldeados ou mesmo moradores – como é o caso das pessoas instigadas e com promessas de terras na fronteira do Brasil – a invadir propriedades alheias, criando conflitos sociais e incidentes policiais que nunca existiram na história de Mato Grosso.

Nesse sentido, recentemente a Assembleia criou uma Câmara Setorial Temática com objetivo de solucionar esse problema histórico de regularização fundiária e reconhecimento da origem das áreas. Tema que deve ser considerado relevante não apenas para Mato Grosso, mas igualmente para todo o país por promover impactos econômicos, sociais e políticos direcionados para uma verdadeira política de Integração Territorial.

Esse estudo envolve a polêmica faixa de 150 km da fronteira do Estado com a Bolívia, que atinge 28 municípios, aproximadamente 480 mil pessoas, em uma extensão de 983 km, só no Estado de Mato Grosso.

Além disso, possui potencialidades elevadas por conter um patrimônio natural e cultural com diversidade dos ecossistemas (Pantanal, Cerrado e Floresta) e de fauna e flora, grandes belezas cênicas e abundância de recursos hídricos, além de importantes sítios arqueológicos.

Estas questões polêmicas precisam ser definidas com uma politica nacional, guardando simetria e harmonia com os Estados, especialmente com Mato Grosso.

Por: Ana Lacerda
Advogada – OAB/MT  18.287
Trav. Cel. Francisco Pinto de Oliveira, nº 66
Bairro Duque de Caxias | CEP 78.043-311
(65) 3623-5792 | (65) 8119-9802